O inapto e o pneu

ocorsamorreu.jpg

Na noite de segunda-feira eu descobri que sei trocar pneu.

Que foi? Que que tem? Vocês acham que todo homem vem de fábrica com os genes de trocar pneus, abrir jarros e matar baratas? Pois eu só vim com o dos jarros. Matar baratas foi uma habilidade que eu adquiri com o tempo, e trocar pneu foi algo que surgiu com a necessidade. Conto.
Depois da saga que foi obter minha carteira de motorista aos 30 anos de idade, e de enfiar um carro no poste, achei que já tivesse passado pelo batismo da direção. O negócio começou a mudar, porém, quando recebi minha primeira notificação de multa, há uma semana. Quatro pontos na carteira por andar a estonteantes QUARENTA E OITO QUILÔMETROS POR HORA (o limite era quarenta). E então, na segunda-feira, o pneu.
Vinha eu feliz pela Marginal Tietê após deixar a namorada em casa. Havíamos saído para comemorar o aniversário de dois anos de namoro (vejam só que mulher paciente). Pensando no quanto o trânsito estava livre, e que ia chegar em casa rápido, peguei a alça que leva à avenida Governador Carvalho Pinto, via pública com baixo índice de acidentes e alto índice de trocadilhos. No meio da curva, a oitenta por hora (o limite é sessenta; vem me pegar, CET!), um estrondo e o carro fica manco de repente. Quase me enfio na lateral do viaduto. Consegui controlar o carro, porém, e percebi que o pneu dianteiro esquerdo havia estourado.
O que fazer? Eu não tinha idéia. Liguei o pisca-alerta e me pus a pensar. Por pouco tempo: as buzinas atrás de mim (todos os carros surgem do nada quando você está parado na faixa da esquerda de um viaduto com o pisca-alerta ligado) me fizeram perceber que, caso ficasse ali, seria abalroado (vixe mãe) em breve. Então fui conduzindo o carro para a direita, fazendo sinais frenéticos e meio abichalados para que me deixassem passar.
Já do lado direito, outro problema: estava no meio da favela do Boi Lambão Malhado (sei lá o nome da favela). Não sei quanto a vocês, mas eu não ando muito com vontade de morrer, então fui dirigindo o Corsa capenga até passar a favela do Macaco Leproso. O que não adiantou muito: enfiei o carro numa travessa logo do lado da favela do Sapo Pilantra. Os moradores da comunidade (eu estava no meio do território dos caras, melhor ter respeito) estavam todos reunidos num bar ali perto, dançando ao som de um rock retardado qualquer. Capital Inicial, essas coisas. Um sujeito de bicicleta passou três vezes olhando para o carro e para minha cara de babaca.
Sim, leitores, eu tinha medo. Mas ali estava meu meio carro (a outra metade ainda é do meu pai; alguém tem 11 mil reais pra me emprestar?) de pneu furado, e eu precisava solucionar aquele problema. E o pior: estava de calça nova. Se pelo menos estivesse de minissaia, era possível que algum rapaz bondoso parasse para me ajudar. Como não estava, botei mãos à obra: abri o porta-malas, retirei o estepe, o macaco e a chave de roda (não tinha triângulo, nem zabumba, quanto menos sanfona), e resolvi tentar trocar o pneu.
Eu lhes digo: a troca de um pneu parece tarefa corriqueira, mas não é. Ah, não é mesmo! Trata-se de uma ciência hermética, uma arte para iniciados. Aposto com vocês que o teste para chegar a Grão-Mestre da Maçonaria é trocar um pneu. Pois vejam: para começar, não conseguia fazer com que o macaco executasse seu trabalho. Enfiei o safado sob o carro, imaginei onde seria um ponto de apoio decente na lataria, e comecei a rodar aquela joça. O diabo da alavanca ficava batendo no asfalto, e o carro subia um pouco e logo caía. Algo errado. Hora de ler o manual do carro. Consultando o importante documento, descobri que estava usando a ferramenta de cabeça para baixo.
Com o macaco devidamente posicionado, erguer o carro foi moleza. Aí veio o outro desafio: tirar o pneu. Afrouxei o primeiro parafuso sem grande dificuldade, mas os outros não cediam nem a pau. Depois de muito tentar, aceitei a derrota e fiz o que qualquer mocinha faria no meu lugar: liguei para o seguro.
O rapaz que me atendeu deve ter achado graça na minha incapacidade, mas garantiu que o socorro chegaria em meia hora. Provavelmente um negão que me olharia com desdém e tiraria os três parafusos usando apenas dois dedos. Que se fodesse: no que me dizia respeito, o problema estava resolvido. Mais tranqüilo, saí para procurar um lugar onde pudesse comprar uma coca-cola. Logo na frente do bar, um trailer de cachorro-quente me surgiu como um oásis. Pedi minha coca-cola, conversei um pouco com os presentes sobre assalto a banco e notas marcadas (eu fico interativo quando estou nervoso, mesmo com o menos recomendável dos públicos), e voltei ao meu posto ao lado do pobre carro manquitola.
Meus amigos, levou menos de cinco minutos. Olhando para o carro ali tão vulnerável, já com os apetrechos jogados de volta no porta-malas, tive uma revelação: se erguido no ar, o pneu girava um pouco a cada golpe; firmemente plantado no chão, ofereceria um ponto de apoio muito melhor à chave de roda. Senti meu QI aumentar uns cinco pontos, abri novamente o porta-malas e dei início à Opareção Troca de Pneu 2.0.
Mais inteligente como estava, deduzi rapidamente que retirar todos os parafusos poderia trazer efeitos indesejados, como receber o peso do carro sobre o pé. Então apenas afrouxei os danados, agora com a maior facilidade, e levantei novamente o carro. Depois disso foi só terminar de desrosquear os parafusos e tirar o pneu furado. Ao tentar botar o estepe, porém, outro problema foi apresentado à minha poderosíssima inteligência: o eixo, ou seja lá como for o nome daquela porra onde se enfia o pneu, estava muito baixo para o encaixe. “Este pneu é muito grande”, pensei eu. Botei o danado ao lado de seu colega ferido, e de fato ele estava uns 10 centímetros maior. E eis que o gênio se manifesta novamente: os dois eram do mesmo tamanho, só que um estava furado e o outro não. Bastaria subir o carro um pouco mais e estaria feito. Pronto: com essa genial dedução final, terminei a troca do pneu, liguei para o seguro cancelando o chamado (atendido por uma moça, dessa vez) e voltei para casa.
A lição que aprendi e agora repasso a vocês: o bom mesmo é nascer mulher. Não que essa lição vá me servir para alguma coisa.

A foto de abertura deste post nada tem a ver com o episódio do pneu. Foi tirada numa estradinha perto de Piracaia, interior paulista, onde eu e Ana Cartola passamos dias agradáveis. Nesse penúltimo dia o radiador furou, o carro faleceu e voltamos de guincho para casa. Abrir o capô foi mera pose de minha parte. Entendo tanto de mecânica quanto de cirurgia abdominal de ruminantes.

61 comments

  1. Há muito tempo eu não leio algo tão engraçado por aqui.
    Este episódio me lembrou uma vez que estávamos querendo assistir a um vídeo lá em casa (em Curitiba ainda). O videocassete deu pau. A gente abriu o bichinho com aquela cara, aquela. Será que vc ainda tem a foto?
    abs

  2. Caro Marco,
    Sei exatamente como você se sente, cara… Eu tirei a carteira assim que completei 18, mas nunca nem tinha ouvido falar em como se troca um pneu… Quando a oportunidade surgiu (presente de grego do caralho!!!!) eu perdi bastante tempo no mesmo problema que você, a saber, como afrouxar os malditos parafusos se a roda “roda” (nunca gostei da brincadeirinha “hei, cuidado! a roda tá rodando”). Acho que levei um pouco mais que cinco minutos pra me aperceber que carecia do ponto de apoio.
    Aí toca a descer o carro outra vez e reiniciar o processo. O pior é que eu achei que tava torcendo pro lado errado da primeira vez, e toca a fazer força pro outro…
    Mais uma vez tenho que concordar contigo: trocar pneu é só pra iniciados… Mas é tal qual andar de bicicleta: uma vez aprendido o segredo, nunca mais se olvida a arte.
    Abraço.

  3. Nao se sinta sozinho…
    Estes dias eu consegui colocar a bateria no meu carro invertida (tentando provar para mim mesmo que eu era capaz de tal feito), e isto me custou o alternador do pobre coitado, que ficou incandescente enquanto era torrado pela bateria invertida. MAS TROCAR PNEU EU JÁ APRENDI.

  4. Bom, o único conselho que eu posso dar aos trocadores de pneus inciantes é: Antes de erguer o carro aforuxe os parafusos. “Ah mais eu não tenho força…” Fácil: Pise na chave de roda e se apoie nela que o parafuso vai afrouxar. O Procedimento inverso deve ser executado para apertar as rodas novamente.

  5. Gostei do detalhe da placa do carro na foto…
    Será que se mandar fazer uma com “Vai se Foder milico de bosta” e passar a 180Kmp/h no radar os guardas vão me achar?
    Se bem que acho dificil escrever isso tudo naquela plaquinha e ainda ficar legivel…

  6. Olha só como uma mulher prevenida vale por duas: assim que eu tirei a carta, a primeira coisa que eu fiz foi pedir p/ o meu pai me ensinar a trocar pneu.
    Se bem que eu admito, como é um negócio que exige um tantinho de força (nem que seja para afrouxar os malditos parafusos – você não conhece o truque do pé, não? – ou só para tirar o maldito estepe do porta-malas) às vezes é bom ter por perto um quixote em busca de uma donzela em apuros para salvar.

  7. Caro Amigo, ao ler sua obra maldita parei pára pensar – juntamente com outra amiga. SOmos policiais militares e ficávamos nos perguntado qual a origem da PM no mundo e acabamos de descobrir. Nossa investigação aponta que a PM truculenta e sisuda surgiu quando Deus escurraçou os pobres Adão e Eva do LAR DOCE PARAÍSO…. obrigado, você dirimiu essa questão. Agora poderemos apontar uma origem da PM e dormir em paz!

  8. Para sua ciência, algumas mulheres sabem trocar pneus. Eu sei. Também sei bombear carburador pra desentupir quando para de jogar gasolina, mas esse conhecimento não tem mais utilidade, visto que os carros não têm mais carburador (na época que aprendi a dirigir eles tinham) rsrs

  9. Dois conselhos: compre o triângulo e uma chave de roda em cruz. Com esse tipo de chave de roda é bem mais fácil tirar os parafusos. E com o triângulo a chance de ser abalroado na pista da esquerda diminui bastante.

  10. Tá reclamando de quê? Dê graças a Ele (é Ele mesmo) por não ter que trocar o pneu na chuva, na lama ou numa ladeira (ou as três situações juntas e ainda à noite, sem luz).
    Nesse quesito troca de pneu, dei sorte. Quando tirei a CNH ia logo em seguida viajar mas meu pai me fêz tirar o pneu numa ladeira, levar pra ele ver e o colocar de volta. Só então me liberou pra viajar. Isso devia ser matéria de auto-escola.

  11. Marco, se por um acaso você for trocar o pneu de um Dodge, fica esperto que a rosca das porcas são invertidas, ou seja, você vai apertar pensando que está soltando.

  12. Mais uma utilidade para a nossa querida coca-cola!! Além de servir para desentupir pias, dissolver pregos, desengordurar para-brisas… ela também serve vejam só.. PARA NOS AJUDAR A TROCAR PNEUS!! Uma salva de palmas para você que conseguiu essa proeza!!

  13. Ai, ai…
    Faz tanto tempo q não vinha aqui. Só agora me dei conta de que esta morrendo de saudade desse seu mundo.
    Marco, Marco. Você e a Ana estão (estão o kct!) foram, são, sempre serão e continuarão sendo (aff!) os melhores.
    Bjos

  14. Mas é palhaçada demais! Lendo essas suas histórias eu sempre lembro de um amigo meu, ninja, que voou sobre uma catraca de ônibus pra não pagar de novo (depois de ter ajudado a esposa grávida com a roleta e girado mais uma vez). O dia estava chuvoso, seus sapatos estavam molhados e ele só não caiu de bunda pq São Tomé tinha pagado pra ver e deu uma forcinha pro infeliz não se espatifar!!

  15. Marco, eu sei trocar pneu também. Minha única dificuldade é desapertar os parafusos. Uma vez, eu pisei em cima da chave de boca. Nada. Pisei com os dois pés. Nada. Fiquei em cima da chave pulando com as mãos apoiadas no carro. Nada. Chamei minha mãe pra pisar junto comigo, totalizando QUATRO PÉS em cima da droga da chave. Nada, e nós nao somos magrinhas.
    Passou um homem, e com um só pé ele desapertou os parafusos. Inveja.

  16. KKKKKKKKKKKKKK
    Esse comentário do Ulisses calhou bem…
    Mais uma coisa: acabei de ver que o adsense do fim do post está anunciando uma tal de Znd Peças Ltda… O curioso é que diz que lá tem peças para Besta…
    Como dira o Quico do Chaves, olhando para a câmera: “Que será que ele quis dizer?”

  17. Poucas vezes eu ri tanto com um texto. Aqui em casa somos todos darwinistas: quem tem o pé maior = mata baratas, quem tem a cabeça maior = pensa, quem é mais alto = troca as lâmpadas, quem tem peito = amamenta, quem dirige melhor (ela) = troca pneu melhor. Viu ?

  18. cara, to tentando baixar o êxodo e num to conseguindo, tah dando erro… enfim, coloquei meu e-mail aqui pra pedir pra vc me avisar se forem normais esses erros, e me dizer oq tah acontecendo d errado… tp, ele carrega a página qdo eu clico em “êxodo”, mas naum baixa o arquivo…
    flwwww

  19. demonstrado, então, como você realmente sabe trocar um pneu…
    mas não se tranquilize: para terminar os testes do neo-motorista, ainda falta ficar sem combustível no meio da rua…
    [não estou agourando; passei por isso tudo e espero não passar nunca mais. mas todo motorista passa por isso!]

  20. Depois de um dia inteiro sentado na escola, fazendo dinâmicas grupais (e não das boas), seu post foi a coisa mais engraçada que eu poderia ter lido.
    Obrigado.
    (Sim, era pra soar como um elogio.)
    =)

  21. AHHHH!Finalmente alguém faz justiça a nós que não sabemos trocar pneus.Somos uma classe injustiçada,chamados de mariquinhas,Gugu Liberato e afins…Mas agora que uma pessoa tão famosa quanto vc. confessou que tbém tem esse probleminha passaremos a ser mais respeitados!!!!

  22. só pras constar…. ja li isso nuns 7 blogs essa semana… será que só comigo naum aconteceu exatamente a mesma coisa com exatamente a mesma narração?????

  23. Quanto a trocar pneu, próxima vez desparafuse antes de erguer o carro… é mais fácil..
    pois o pneu não roda…
    dica da Mocinha que
    talvez não ligasse para o Seguro.

  24. É mais lendo este relato do Marco Aurélio podemos sentir sua aflição diante deste fato,realmente trocar pneu ja não eh facíl imaginem diante desde quadro de insegurança sem conhecer o lugar e pessoas ,passando o fato chega a ser engraçado mas pra quem vivenciou esta situação creio que na hora foi constragedor…
    Isto que todos estamos a riscados a passar por isto e ele alegou que sendo mulher seria diferente creio que não porque as mulheres são bem mais inseguras e temos medo tbm..Porque nem todas as pessoas são cordiais e boas…pra poder ajudar uma fragíl moça em troca de um pneu,na beira da estrada ou em um determinado bairro..Mas devemos estar preparadas porque estando na chuva temos que se molhar..Juh Olimpio

Deixe uma resposta para Daniele Cancelar resposta