Salomão paga as contas

(I Reis 9)
Após grandes obras vêm grandes rombos nos cofres públicos. Há que pagar as empreiteiras, os lobbystas, as autoridades envolvidas, todo mundo. Vendo que o governo abriu a mão, os financiadores da campanha tentam receber antigas dívidas, e o rombo aumenta ainda mais. Isso é verdade hoje, e já o era nos tempos de Salomão.
Terminado o templo e o palácio do rei, erguidas as muralhas de Jerusalém e aterrado o lado leste da cidade, era hora de botar a mão no bolso. As obras haviam durado vinte anos, e incluíam a reconstrução de cidades inteiras. Gezer, por exemplo, fora completamente destruída pelo Faraó egípcio (existe outro tipo de faraó?) ainda durante o reinado de Davi. Agora, em paz com Israel e tendo dado sua filha como esposa a Salomão, o soberano oferecia a cidade como presente de núpcias. Belo presente, uma cidade arrasada. Salomão reconstruiu a cidade, assim como Hazor, Megido, a parte baixa de Bete-Horom, Baalate e Tadmar. O rei também deu um tapa nas cidades onde estabeleceria seus armazéns de mantimentos e seus estábulos.
A publicidade era boa. “Transformando Israel num Canteiro de Obras”, “Duzentos Anos em Vinte”, essas coisas. As contas, porém, ainda precisavam ser pagas, e o maior credor do Estado era Hirão, rei de Tiro. Hirão havia fornecido todo o material para as obras e quatro toneladas de ouro. Salomão mandara construir uma frota de navios em Ezion-Geber, no Golfo de Ácaba, e o rei de Tiro enviara seus melhores marinheiros para manejar as naus. Junto com os homens de Salomão, esses marinheiros foram até a misteriosa terra de Ofir, trazendo de lá mais de catorze toneladas de ouro (há quem afirme que a distante terra de Ofir ficava onde hoje é o Peru, e no filme Roberto Carlos e o Diamante Cor-de-Rosa o Rei Ciborgue descobre que os marinheiros de Salomão navegaram pela Baía de Guanabara).
Com tantos serviços prestados à nação israelita, era de se esperar que Salomão pagasse Hirão com algo grande. O governo de uma tribo, no mínimo. Mas que nada! Salomão era rico, sábio, empreendedor, mas também era judeu: pagou seu maior parceiro com vinte cidades muito chinfrins na região da Galiléia. Coisa como Carapicuíba, Itaquaquecetuba, Guarulhos, Mairinque. Só osso. Hirão foi ver as cidades e se decepcionou. Aquela região passou então a chamar-se Cabul, que em hebraico quer dizer “Puta que pariu, Salomão, que sacanagem!”.
Como se não bastassem os percalços com as contas das obras que só não eram faraônicas porque não foram feitas no Egito, Salomão também teve de enfrentar acusações segundo as quais ele teria utilizado cidadãos israelitas como escravos nas construções. Porque, vejam, toda aquela coisa de unificação do reino feita por Saul e Davi era apenas conversa oficial. Na realidade, o reino continuava dividido entre a minoria rica de Judá, no norte e a maioria pobre e esquecida de Israel, no sul (graças a Deus o mundo mudou, né?). O primeiro livro dos Reis é, acima de tudo, uma publicação oficial. Este capítulo, portanto, esforça-se para negar essas acusações, dizendo que todos os escravos utilizados nas obras eram amorreus, heteus, perizeus, heveus, jebuseus, enfim, descendentes dos caananitas que habitavam a terra antes da chegada de Josué e seus homens endurecidos por quarenta anos vagando pelo deserto. Segundo o texto, os israelitas serviram como soldados, oficiais, comandantes e cavaleiros. Verdade ou mentira? Não importa: a propaganda oficial está sempre acima desses conceitos abstratos.
Com tanta polêmica por todos os lados, restava a Salomão buscar ajuda espiritual. Durante as obras e depois delas o rei oferecia sacrifícios, queimava incensos e dava ofertas para o serviço religioso três vezes por ano. Vendo todo aquele zelo, Javé resolveu que era hora de falar com o rei novamente.
— Salomão!
— Coé?
— Que coé o quê! Meu nome é Javé!
— Javé! Perdoai-me-vos, ó grande Javé, perdoai-me-vos. Julgava eu que algum mano me vinha-me aporrinhar-me a mim. O que mandais, Grande Truta das Parada Firmeza do Céu?
— Vim dizer que gostei muito do templo, viu?
— Gostaste-vos?
— Gostei. Muito bonito, arejado, bem decorado. Uma beleza. Gostei tanto que até vou morar lá.
— Agradeço-te, Javé!
— Tá, tá. Mas vê lá, hein? Se esse povinho bunda pisar na bola comigo, eu pico a mula.
— Picareis a mula, Javé?
— Foi o que eu disse, porra. Conheço esse povinho. Todo mundo muito bonzinho, e é só Javé pra cá, Senhor pra lá, El Shadday pra cá, Elohim pra lá. Pois sim! Basta eu me distrair um pouco e já estão oferecendo sacrifícios a Moloque, Dagom, Astarte, ou o diabo do deus que estiver na moda. Então pode anotar aí: se esse povo fizer besteira, eu abandono esse templo, e mando os israelitas todos para a casa do chapéu. E tem mais: o templo será destruído pelos seus inimigos, e Israel será motivo de piada entre os povos. E não essas piadas manjadas de judeu: coisa muito mais séria e ácida. Vendo as ruínas do templo, algum viajante há de perguntar o que aconteceu. E responderão: “Isto aí era um templo grandioso, que foi destruído porque o povo abandonou seu deus”. Tá entendendo, Salomão?
— Compreendo-vos, ó Javé.
— Tá bom. Então vou ali me acostumar à casa nova.
Muito tempo depois, o templo seria mesmo destruído. Mas isso ainda estava longe, e Salomão viveria para ver a prosperidade de Israel e desfrutar sua fama.

20 comments

  1. Marco já passei diversas vezes por aqui e até hoje não sei porque nunca comentei. Devo dizer que adoro ler seus textos e sou uma grande fã do seu blog.
    Adoro o Balde de Gelo também e finalmente vou comprar o livro! =)
    Também acompanho o blog da Ana e devo dizer que apesar de não conhecê-los torço por vocês!
    beijos!

  2. Marcão: vós soi-vos o maior! Adoro-te-lhe, e invejo-vos a grande inteligência, cultura, sagacidade e estilo.
    Beijo-vos!

  3. tomei a liberdade de publicar, a um tempo atrás, “a arca do acordo é levada para o templo” em meu blog… to sempre divulgando esse site.. e os comentarios sobre o post foram muito favoráveis.. hj li este novo post.. e particularmente gosto do modo simples e cotidiano que você usa nas interpretações destas passagens.. mas algo que sem dúvida me faz rir por horas a fio.. (afinal isso acontece toda vez que lembro), são os diálogos.. não deixe de atualizar esse blog periódicamente.. mesmo que não seja uma constante.. me divirto muito! abraços.

  4. OLá…
    (`’·.¸(`’·.¸ ¸.·’´) ¸.·’´)¸.·’´)
    «`’·.¸.¤ Estou passando…¤.¸.·’´»(¸.·` * (¸.·` *
    (¸.·’´(¸.·’´ `’·.¸)`’ ·.¸)
    ¸.·´
    ( `·.¸ Para conhecer seu bloguinho…
    `·.¸ ) E desejar um ótimo domingo.
    ¸.·)´ Parabéns pelo blog!
    (.·´Abraços…
    *´¨)
    (`’·.¸(`’·.¸ ¸.·’´) ¸.·’´)¸.·’´)
    «`’·.¸¤dÉiA ¤.¸.·’´»(¸.·` * (¸.·` *
    (¸.·’´(¸.·’´ `’·.¸)`’ ·.¸)

  5. Fala Sr Marcurélio!
    Parabens por mais esse capitulo, ja estou na comunidade do emotionrelio no orkut e trabalhando para os 100 fariseus por la tbm..promessa é divida! 😉
    Abraçao!

  6. A pergunta do faraó foi exatamente a mesma que ficou em minha cabeça depois de que ouve uma discussão em torno de um jogo de xadrez que acontecia na Casa de Bel@…
    Agora, como foi que a discussão chegou no faraó através de um jogo de xadrez não me pergunte. Eu não tinha condições nem para mover as peças direito…

  7. À propósito, faraó, até onde sei é um título exclusivamente egípcio.
    Eis o que diz a Wikipedia (é, sei que não é grande coisa, mas é o único dicionário que a rede aqui do trampo não barra…):
    Eram intitulados como Faraós os reis (com estatuto de deuses) no Antigo Egito. O termo é uma derivação grega das palavras egípcias “pr-o”, “Per-aâ” ou “Per-aô”, que designavam, originalmente, o palácio imperial, já que significavam “A Grande Casa”. O termo, na realidade, não era muito utilizado pelos próprios egípcios. No entanto, devido à inclusão deste título na Bíblia, mais específicamente no livro do “Êxodo”, os historiadores modernos adotaram o vocábulo e generalizaram-no.

  8. vc é um cara inteligente. pena q use essa inteligencia pra brincar justamente com quem nao se brinca… com Deus. o bom de se brincar com Deus é q Ele nao aparece na nossa frente pra se defender, nao é mesmo? aí a gente pode debochar dEle, rir das historias (ou seriam estorias?) malucas da Biblia. muda-las, ridiculariza-las, por palavroes na boca do Todo Poderoso…que maravilha… como é engracado… e o melhor é saber q tem um monte de crente bundao morrendo de raiva e sem poder xingar nem meio palavrao. isso é o maximo. pena q nao te leva a lugar algum, a nao ser aquele lugar q vc nao quer crer mas q conhece pelas Escrituras Sagradas. Cuidado cara… Deus nao leva em consideracao os anos da ignorancia no homem qto a sua palavra, mas vc conhece (e pelo visto muito bem) o q diz a Biblia. nao acrescente nem mesmo uma virgula na palavra de um ser q tudo pode. talvez vc nao acredite nEle, mas nao zombe… e se Ele existir?? Ele ama vc… agora ca entre nós… vc escreve bem… se eu nao cresse em Deus até acharia engracado… um abraco… eu respeito a sua descrenca… mas Deus te ama e quer “tocar” em vc.

  9. E chamemos esse post de… hum… Labul, do hebraico “puta que paril, Marco, que post maneiro!”.
    Mas evite continuar fazendo esse tipo de texto para guardar seu corpo do assédio sexual do senhor… Ele está louquinho de vontade de “tocar” (entre aspas) você!

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