Davi manda contar o povo

(II Samuel 24)
No antepenúltimo capítulo, último antes das reminescências e cantorias de Davi, vimos que Javé voltou à cena depois de andar sumido por um tempo. E voltou demonstrando que continuava o mesmo de sempre, ou seja, um deus sanguinário e meio maluco. Acompanhem.
Aconteceu que Javé ficou com raiva de Israel. Assim, do nada. Simplesmente acordou um dia — de ressaca, provavelmente — olhou lá pra baixo, viu seu povo escolhido e pensou: “Eita, povinho enjoado”. Resolveu, pois, que iria castigar seu povo. No entanto, mesmo sendo Deus, Senhor do Universo, Ser Supremo e muitas outras coisas de acordo com os diplomas na parede, Javé sabia que não podia simplesmente castigar o povo apenas para relaxar. Bom. Poder, podia. Ninguém iria processá-lo nem nada assim. O problema é que não ia pegar nada bem. Então resolveu que faria com que Davi prejudicasse o povo, dando assim motivos à ira divina. De que forma? Simples: foi falar com Davi1.
— Davi!
— Quem é?
— DAVI!
— QUEM É, DIABO?
— DIABO É O CACETE! EU SOU É DEUS, TÁ ME OUVINDO? DEUS!
— J-Javé?
— Ai meu saco… Por que é que todo mundo começa a gaguejar quando fala comigo? Para imitar o Moisés? Já não disse que não adianta?
— É o medo, Javé.
— Medo de quê, Davi?
— Ah, sei lá. Quando o senhor aparece é sempre pra dar uma dura na gente, ou dizer que vai mandar fome, peste, guerra…
— Que é isso, rapaz! Velhos tempos, velhos tempos! Vim em missão de paz, pode ficar sossegado.
— Ufa… Mas então, Javé, que é que manda?
— Eu queria que você contasse o povo de Israel.
— Como?
— Sei lá como! Te vira!
— Não, não. É que não entendi. Contar o povo por quê?
— PORQUE EU ESTOU MANDANDO, CACETE!
— Boa razão.
— Humpf.
— E o que mais?
— Mais nada, ué. Agora dê licença, que eu vou cochilar um pouco. Dor de cabeça desgraçada…
— Até mais, Javé.
— Grunf.
Assim que Javé saiu, Davi mandou chamar Joabe, o comandante de seu exército (após a fugaz passagem de Amasa pelo cargo, interrompida pelo próprio Joabe quando… Bom, relembrem).
— Joabe, tenho uma missão para você.
— Opa. Quem eu tenho que matar agora?
— Matar? Que história é essa? Eu alguma vez mandei você matar alguém.
— Bom. Não oficialmente, né?
— NEM EXTRA-OFICIALMENTE! O QUE VOCÊ ESTÁ INSINUANDO, JOABE?
— …
— HUMPF! Deixe de bobagem e preste atenção: quero que você saia por todo o Israel, tribos do sul e do norte, contando o povo. Quero saber em quantos somos.
— Mas que bobagem, majestade! Que Javé faça o povo de Israel cem vezes mais numeroso do que agora, e que o senhor viva para ver isso. Para que contar o povo?
— NÃO É DA SUA CONTA, CÁSPITA!
— …
— Escuta aqui: eu te dei uma ordem e você vai cumpri-la. Compreendido?
— Sim senhor.
— Então vai, e só volte aqui com os números nas mãos.
— Sim senhor.
Então Joabe saiu de Jerusalém com seus oficiais. Atravessaram o rio Jordão e acamparam ao sul de Aroer. Depois seguiram para o norte, para a cidade de Jazer, continuaram até Gileade e depois Cades, terra dos heteus, de onde partiram para Dã, depois para Sidom, Tiro, passando pelas terras dos heveus, dos cananeus, e finalmente por Berseba, no sul de Judá. No mapa abaixo vocês podem ver o itinerário completo (caso pudesse ser feito de avião, o que não era o caso):
Nove meses e vinte dias depois da partida, eles voltaram a Jerusalém com os números: oitocentos mil homens capazes para o serviço militar em Israel, e mais quinhentos mil em Judá.
Estranhamente, depois de realizar a contagem o rei começou a sentir um peso na consciência. Lastimava-se e clamava a Deus:
— Javé! Pois é! Eu fiz uma coisa terrível ao mandar contar o povo, um grande pecado! Oh, Javé, perdoa-me! Foi uma maluquice, eu bem sei!
Er…
Ok, esperem aí.
Mandar contar o povo fora um grande pecado? Mas por quê? E por que Davi pedia perdão a Deus e se martirizava por isso, se a idéia partira do próprio Javé, para começo de conversa? Pois é, ninguém sabe. Bom, se vocês procuram lógica nas Sagradas Escrituras, leiam O Código da Bíblia. Voltemos.
Na manhã seguinte Davi foi acordado por um tal Gade. O sujeito dizia ser profeta, e trazia uma mensagem de Deus:
— Rei Davi, Javé me pediu para vir até aqui falar com o senhor.
— Ah, sei. É sobre o censo?
— Não sei não, só sei do recado que ele mandou. Pediu para o senhor escolher entre três coisas, o que o senhor escolher ele fará.
— Opa! Então Javé agora virou gênio da lâmpada? Que beleza! E quais são minhas opções?
— Três anos de fome na sua terra, três meses fugindo de seus inimigos ou três dias de peste em Israel.
— Epa. Não era bem isso que eu esperava…
— Bom, foi só isso que ele me mandou dizer.
— Hum. Bah, que merda. Adianta argumentar?
— Não.
— Bom. Eu estou desesperado, mas não quero ser castigado pelos homens. Que o próprio Javé nos castigue, então.
— …
— …
— E qual a sua opção, majestade?
— O QUE VOCÊ É? IDIOTA?
— Não sei, só vim trazer o recado.
— A PESTE, IMBECIL!
— Ah. Tá bom. Vou avisar Javé.
O profeta saiu e o rei ficou prostrado. Por sua culpa o povo sofreria com uma epidemia terrível. Havia algo de errado nesse esquema, mas ele não conseguia atinar com que fosse. Enquanto isso, feliz da vida, Javé mandou seu anjo preferido — aquele que matara os primogênitos no Egito — distribuir a peste por todo o Israel. O anjão carrancudo saiu andando pelo reino com sua espada na mão, e de norte a sul morreram setenta mil israelitas. Quando, porém, o anjo ergueu sua espada para atacar Jerusalém, Deus o interrompeu:
— Ô, rapaz. Chega, pode voltar pra cá.
— Pô, seu Javé.
— Não tem seu Javé nem seu Mané. Mandei voltar.
— Mas agora que eu ia começar a me divertir!
— NÃO ME INTERESSA!
— CHATOBOBO!
O Grande Anjo Destruidor fez beicinho e voltou para casa, deixando a capital do reino passar incólume. O lugar de onde ele pretendia atacar Jerusalém era um terreiro de malhar cereais pertencente a um certo Araúna.
Da janela de seu palácio, vendo o anjo destruir o povo, Davi se lamentava:
— Culpa minha. Tudo culpa minha. Tudo, tudo culpa minha. Eu fiz a merda e agora o povo paga. Não é justo. Eu e minha família é que deveríamos ser castigados.
— EPA! EU NÃO!
— CALABOCA, SALOMÃO! Ô moleque impertinente…
Javé deve ter ouvido o que Davi dissera, porém, porque resolveu contemporizar: no mesmo dia o profeta Gade voltou ao palácio.
— Rei Davi, trago um recado de Javé. Ele ordena que o senhor vá até o terreiro de malhar cereais de Araúna e construa lá um altar.
— Araúna? Quem é Araúna?
— Não sei, eu só vim mesmo trazer o recado.
— Gade?
— Senhor?
— Você é uma bosta de profeta, sabia?
— Sei de nada, só vim pra…
— TRAZER O RECADO! JÁ SEI, JÁ SEI! RASPA DAQUI, PEDAÇO DE ASNO!
O profeta saiu correndo, e Davi tratou de informar-se sobre o tal Araúna. Pergunta daqui, pergunta dali, acabou descobrindo onde era a tal propriedade na qual o altar deveria ser erguido. Foi até lá pessoalmente.
O terreno ficava num lugar alto. Ao olhar para baixo e ver que o rei e seus oficiais vinham até sua propriedade, Araúna desceu correndo ao encontro do soberano, ajoelhando-se ao chegar perto.
— Senhor! O que o traz aqui?
— Hum. Que cheiro é esse?
— Er… O senhor viu o anjo?
— Vi sim.
— Viu a hora em que ele levantou a espada e Javé mandou ele parar?
— Vi, vi.
— Então. Eu estava bem embaixo. Aí…
— Tá, já entendi de onde vem o cheiro. AR-RAM… Eu vim comprar esse seu terreiro e construir nele um altar dedicado a Javé, para que assim a peste acabe.
— Majestade, se o propósito é tão bom eu dou o terreiro para o senhor. E mais ainda: tenho bois que podem ser oferecidos como sacrifícios, além de suas cangas e as tábuas para debulhar cereais, que podem ser usadas como lenha. Pronto, é tudo seu. Que Javé aceite o subor… Digo, a oferta, e nos livre dessa peste.
— É muito gentil de sua parte, Araúna, mas não posso aceitar. Não vou oferecer a Deus sacrifícios que não me custaram nada. Vou comprar sua propriedade, seus bois e tudo mais. Olhando assim, por alto, ofereço a você… Hum, deixa ver… 570 gramas de prata. Tá bom?
Araúna concordou, contrariado. O rei não aceitar o presente era uma coisa. No entanto, oferecer por toda sua propriedade um preço irrisório (equivalente, pela cotação atual da prata, a cerca de 380 reais) chegava a ser ofensivo. Mas Araúna estava tão interessado quanto qualquer outro na rápida solução daquele impasse, então embolsou sua prata e foi embora. O rei construiu o altar conforme Javé solicitara, ofereceu sacrifícios, e Deus finalmente concordou em retirar a peste de Israel.
Pois muito bem. Entenderam? Resumindo: Javé estava puto com seu povo sem motivo. Então ordenou que Davi contasse os israelitas, o que era um pecado medonho, sabe-se lá por quê. Como castigo por esse pecado, Deus mandou uma peste para afligir a Israel. Para retirar a peste do reino, exigiu que Davi construísse um altar e lhe oferecesse sacrifícios. Simples.
É por nada não, mas se existissem psiquiatras na época Javé estaria internado até hoje…

1: O 21º capítulo do primeiro livro das Crônicas conta esse mesmo episódio. Quando chegarmos lá eu detalho melhor as diferenças, mas vale a pena chamar atenção para uma: nas Crônicas, é Satanás quem dá a idéia do censo a Davi, tornando a história um pouquinho mais plausível.

22 comments

  1. Sabe o que pode ter sido o pecado? Davi não fez o censo direito. Fez do jeito errado, vc sabe que Deus tem o jeito certo da gente fazer as coisas, se não é do jeito dele tá errado. Mas é estranho mesmo. Legal o anjão fazendo birra. E boto mais fé que essa história de censo foi idéia do diabo, que coisa mais tchonga pra se fazer…

  2. eu tô dizendo faz tempo, esse Javé sempre acha uma diversão besta dessas. um dia é uma praga, no outro é perseguição… acho que o problema de Javé é solidão. Se ele tivesse uma nêga com quem conversar e… brincar, não ia sobrar tempo pra essas besteiras…

  3. se a bíblia fosse assim, eu teria lido! Engraçado… todo mundo ouvia VOZES na época e eram “os escolhidos”… só porque hoje eu declaro que escuto vozes, eu sou doida! Báh… não se pode mais ser esquizofrênica como antigamente…

  4. eita, povinho enjoado!
    hahahahahahahahahahahahahahaahahahahaaha
    e no chatobobo você esqueceu o feio…sei disso porque sempre sou chatabobafeia quando contrario minha filha…hahahahahahaha

  5. “incólume”
    Eu me indago…
    Que Diabos é isso???(malz aí Satã)
    Eu não estou conseguindo dormir por causa dessa maldita palavrinha. Ô diaxo!

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