Homens!

Meia-noite.
Estela repara que o marido está nervoso. Não, não nervoso: ansioso. Parece esperar alguma coisa. Olha o relógio a cada vinte ou trinta segundos. À meia-noite, liga o rádio e sintoniza numa estação de música sertaneja. O locutor de voz grave sussura:
Recado de Manoel, da Vila Prudente, para Estela, sua esposa: “Estela, você é a melhor coisa que me aconteceu na vida. Um abração para você, e para todo mundo da Vila Prudente”.
Manoel olha para ela com os olhos brilhando, esperando sua reação ao que ele pensa ser uma surpresa espetacular. Ela se esforça para parecer radiante. Não sabe se consegue, e nem liga: o marido acha que acaba de fazer uma grande declaração de amor; ela só ouviu coisa, abração e todo mundo da Vila Prudente. Divórcio, definitivamente.
Enquanto isso, no Alto de Pinheiros, Renato atende o telefone:
— Alô?
— Renato?
— Ele mesmo. Quem é?
— Adivinha…
— Quem é?
— A Carla, bobo.
— Carla, Carla…
— A gente estava no sítio do Pedro, poxa…
— Ah, sim, claro! E aí, como está?
— Tenho uma surpresa pra você.
— …
— Cê tá aí?
— Tô, tô. Surpresa, você disse?
— É! Liga o rádio na Tupi.
— Ligar o rádio onde?
— Na rádio Tupi.
— Não conheço.
Uma surpresa, era o que faltava. Ficou com a garota por falta do que fazer no sítio durante o Carnaval, e agora ela vem com isso de surpresa. Liga o rádio, porém, e sintoniza na freqüência passada por ela.
A Carla, de Itaquera, manda um recado para o Renato, do Alto de Pinheiros: “Renato, gostei muito de ter passado o feriado com você. Tomara que possamos ficar muito tempo juntos. Espero um dia ser sua namorada”.
Renato sente um mal estar na boca do estômago.
— Ouviu?
— Hum?
— Ouviu meu recado pra você?
— Não, não ouvi. Acho que essa rádio não pega aqui, não.
— Ah…
— O que era?
— Nada não. Bobagem.
— Ah. Então tá. Olha, ainda estou desfazendo a mala. Te ligo depois, tá?
— Tá bom.
Os dois desligam e pensam exatamente o mesmo: ele não vai ligar.
Deitado em seu quarto da Barão de Limeira, Anacleto ouve o rádio e finge prestar atenção no que diz Juliana. Juliana? Mariana. Mariana? Bom, tanto faz: finge prestar a maior atenção no que diz a lourinha tapada que ele conseguiu arrastar para o apartamento. De vez em quando sorri e a olha bem nos olhos. Quase diz “eu te amo” só pelo efeito, mas acha mais prudente guardar para mais tarde. Uma briga, talvez. O rádio toca uma música que fala de um sujeito cansado da fazenda, de ver cara de boi. À meia-noite o locutor interrompe a música para mandar os recados dos ouvintes. Fala de um tal Manoel, de uma tal Carla, e depois:
Recado de Maíra para o Anacleto dos Campos Elíseos: “Anacleto, mal posso acreditar que estamos vivendo esse louco amor. Precisamos nos ver. Te amo”.
Anacleto se assusta mas se mantém impassível. Juliana (Mariana?), porém, ouviu muito bem o que o locutor disse, porque pergunta:
— Como é mesmo o nome desse bairro, Anacleto?
— Barra Funda.
— Mas não era Campos El…
— Te amo, sabia?

20 comments

  1. Hahahahahaha
    Hilário!!!
    Estava passando de carro pela periferia de Vila Velha, aqui no ES, e me deparei com uma placa branca e azul com os dizeres:
    “ASS DE DEUS!”
    Não sei por quê, mas lembrei de você na hora! hehehe
    Vou fotografar e te mandar por e-mail depois!

Deixe uma resposta para Jot Cancelar resposta