Batalhas contra os gigantes filisteus

(II Samuel 21:15-22)
— E aquele que tentou matar o rei daquela vez, como era o nome dele?
— Er… Davi?
Sentados em volta de uma mesa, Abisai, Sibecai, Elanã e Jônatas (não o finado filho de Saul, mas um sobrinho de Davi) contam histórias dos velhos tempos de guerra contra os filisteus. Quem fala, inflamado pelo vinho, é Abisai, irmão de Joabe. Irrita-se com a confusão de Jônatas:
— Não do rei, ô cavalgadura, do gigante! Não estou assim tão caduco, porra.
— Ah… Isbi-alguma-coisa.
— Isbi-Beb… Isbi-Bena… — Elanã tenta lembrar-se.
— ISBI-BENOBE!
— Isso, Sibecai! Pois então, Isbi-Benobe. O feladaputa tinha bem uns cinco metros de altura, e…
— Pára, Abisai…
— E você estava lá, Jônatas? Não estava, não é?
— …
— Humpf. Como eu dizia, o bichão tinha pra mais de seis metros de altura. Naquela época a gente tava sem nada pra fazer, resolvemos ir cutucar a filistaiada. Só que a gente se esqueceu dos desgraçados dos gigantes. Aí uma hora o rei ficou cansado, se sentou numa pedra com a mão no peito, respirando difícil. Eu estava vindo do outro lado e só vi tudo ficando escuro. Parecia que tinha anoitecido de repente. Sabem o que era?
— Eclipse?
— Que eclipse nada! O tal do Isbi-Benobe vinha chegando de mansinho pra matar o rei. A sorte foi que eu vi o danado, e sapequei-lhe a espada nos cornos. Nesse mesmo dia eu reuni os soldados e fomos falar com o Rei. Dissemos a ele, “Olha, majestade, é por nada não, mas achamos melhor o senhor não ir mais pra guerra”. Ele entendeu o recado. Já estava velho, coitado, não podia se arriscar daquele jeito.
— Ué. E tinha ficado escuro por quê?
— Cê não tá prestando atenção na história, desgraça? Ficou escuro porque o bruto era tão grande que tapava o sol…
— Ah, Abisai, assim já é demais!
— É demais? É demais, Sibecai? Quem vê pensa que você já matou algum gigante.
— E não matei, corno? Matei, matei foi muito!
— Sei, sei… Fala só UM.
— Teve aquele lá, o Safe.
— SAFE?
— É. Safe.
— Logo se vê que é nome inventado…
— Vai ouvir a história ou não vai? Humpf. Eu estava pescando ali no Jordão. Sossegado, os peixes mordendo vez em quando, eu embaixo da sombra de uma oliveira, só bestando. Vai daí que o rio começa a correr devagar, devagar, devagar… Em cinco minutos já estava sequinho. Só vi a água indo embora lá pros lados do Mar Morto, e nada de vir mais água da direção da nascente. Pensei, “Epa, que negócio é esse?”. Sabem o que era?
— Josué voltando do mundo dos mortos?
— Mané Josué! Uns quinhentos metros pra cima, esse tal de Safe tinha resolvido tomar banho no rio. Deitou de comprido, com a cabeça numa margem e…
— … VOCÊ VAI ME DIZER QUE OS PÉS DELE ESTAVAM NA OUTRA MARGEM? AH, NÃO!
— E eu lá sou um cabra sem-vergonha mentiroso feito você pra falar uma mentira desse tamanho? Deixa eu terminar! A cabeça dele estava numa margem. Os JOELHOS estavam na outra margem. Os pés estavam apoiados na muralha de uma cidade. Como era mesmo o nome daquela cidadezinha ali bem do lado do Jordão…? Bom, não importa. O negócio é que o bichão tava lá estirado represando o rio. Eu fui chegando devagarinho, fui chegando, fui chegando e meti minha lança no ouvido dele. Troço perigoso, porque cérebro de gigante é pequeno. Mas graças a Javé deu certo, o bicho ficou estrebuchando um tempo e morreu.
— Sei, sei… E como foi que tiraram o defunto de lá pra liberar o rio?
— Olha, eu sou soldado, não coveiro. Sei lá como tiraram o defunto! Matei o bicho e saí andando, que eu não sou aparecido feito você.
— APARECIDO? EU TE MOSTRO, FILHO DE UMA QUENGA!
— Epa, epa… Calma, porra. Vocês dois aí brigando por bobagem. Cada um matou seu anãozinho, pronto…
— ANÃOZINHO???
— É, oras. Esses gigantes aí eram anões perto do que eu matei, o Golias.
— Golias, Elanã? Como você é mentiroso! Esse quem matou foi o rei Davi!
— Rapaz, rapaz… O filho do finado rei Saul não se chamava Jônatas?
— Chamava.
— E você não se chama Jônatas também?
— É.
— Então pode ter dois Jônatas mas ter dois Golias é proibido?
— …
— Deixa eu falar. Estava voltando pra minha tenda depois de ficar o dia inteiro pelejando contra os filisteus. Cansado que só a porra, só pensava em deitar e dormir. Entrei na barraca, apaguei a lamparina, deitei no chão e dormi em seguida. Lá pelo meio da madrugada acordei com uma barulhada. Um negócio assim: Méeeeee – NHAM, NHAM, NHAM, CRUNCH! SLUUUUUUUURP! Méeeeee – NHAM, NHAM, NHAM, CRUNCH! SLUUUUUUUURP! Méeeeee – NHAM, NHAM, NHAM, CRUNCH! SLUUUUUUUURP! Que diabo era, que diabo não era, fui ver o que era. Ah, que cena pavorosa!
— Lá vem mentira…
— Deixa eu contar, rapaz! Estava o tal Golias lá no meio do deserto, sentado perto de um poço. De longe eu só via a mão dele mexendo, e ouvia o barulho. Fui chegando perto e quase que nem eu mesmo acredito: o feladaputa tinha pegado todas as ovelhas do acampamento, jogado dentro do poço, e estava comendo as bichinhas que nem pipoca. Metia a mão dentro do poço, pegava um punhado de ovelhas vivas e mandava pra goela. Coisa horrenda.
— Ai, ai, ai… E como foi que você matou esse gigante comedor de ovelha?
— Pois é, rapaz… Estava eu ali nu, desprevenido. Tinha deixado as armas na tenda, e já estava muito perto do Gigante. Se fizesse qualquer movimento, era capaz do bicho me ver e aí era uma vez Elanã. Então cheguei beeeeeeem perto dele, de mansinho. Quando estava numa distância como daqui até aí onde está o Abisai, gritei “BU!”. O bicho engasgou com as ovelhas, foi ficando roxo, ficando roxo, e morreu ali mesmo.
— Meu Javé, é uma história pior que a outra!
— Você tem é inveja, seu moleque! Inveja porque nunca matou um gigante!
— Como assim, nunca matei? Matei sim!
— E como era o nome da giganteza abatida por Vossa Senhoria?
— Eu sei lá como era o nome do gigante! Vocês parecem que pedem documento pros bichos antes de matar, cada um sabe o nome do seu gigante. Desse eu só sei que tinha seis dedos em cada mão e em cada pé.
— Eita, que essa doeu…
— É verdade! Cada dedão que parecia uma viga.
— E como foi que você matou o dedudo?
— Ah, lembrei da história do rei Davi e resolvi fazer do mesmo jeito. Matei na pedrada.
— Ué. Só isso?
— É.
— História sem graça, Jônatas.
— Eu sei, eu sei. Foi um negócio muito sem graça mesmo. O gigante vinha vindo lá dos lados da Filistia. Corria e xingava a gente. Aquilo foi me deixando puto, o sangue foi fervendo, não agüentei: botei uma pedra na funda e ZAPT, lá foi ela se encravar bem na testa do desgraçado. Nisso, eu lembro bem, eram umas nove da manhã. Às oito da noite já tinha acabado.
— Hein? Como? Acabado o quê?
— Ué. Eu acertei a pedrada na testa dele às nove da manhã. Ele foi caindo, foi caindo… Eu saí, fui comer alguma coisa, depois fui jogar baralho com os outros soldados. Voltei e o gigante ainda tava caindo. Só foi terminar de cair às oito da noite…
— Hum.
— É…
— Gigantes, né?
— Pois é…
— Vambora?
— É. Depois dessa, é melhor mesmo.

19 comments

  1. Pois é, Nilton. Eu fui pegando ódio do Chico Anysio com o passar dos anos, e só não o odiava com todas as minhas forças por causa do Pantaleão. Até que descobri que o Pantaleão era uma cópia desgraçada do Alexandre, de Graciliano Ramos. Graciliano, que era um homem decente, deixa bem claro no começo do livro que Alexandre é um personagem folclórico do sertão, com o povo que ouve suas histórias e a esposa que as confirma.

  2. como diria minha mãezinha, esse Chico Anysio é um desses que morreu e esqueceu de deitar. Argh!!
    Mas essa história é muito boa rapaz. Estou oficialmente coroando você como o melhor contador de histórias dos tempos bíblicos depois dos rapazes do Monty Python.

  3. Vixi. Dois meses sem pc. Quando parei de ler absalão (Era esse mesmo o nome… minha memoria tá uma merda) tinha mandado Davi dar um rolé. Agora encontrei histórias de pescador… 😛
    Vô esperar cê terminar o livro pra poder ler em pdf e me situar um pouco.

  4. Fui Lendo o Capitulo e lembrando do Livro do Nho Alexandre, que marcou demais a minha infancia…
    Genial o Post. O Melhor dos Ultimos tempos com certeza.

  5. Acho que todos os comentários serão unânimes, este foi o melhor post dos últimos tempos. Ri às lágrimas com o destino trágico de todos os gigantes, mas uma curiosidade permaneceu. Que filme o gigante tava assistindo tão concentrado para morrer engasgado? O Grito?

  6. Fudeu! Passei aqui pra ver se a desnaturada da Aninha não pósta no blog dela mas fica comentando aqui (e não é que fica, a safada!) e acabei lendo esse texto ‘terinho! Ri pacas, gostei, e vou ficar! Hahaha! Vão ter que me engolir aqui também! Abração!

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