Alice – parte 1

Sentada à mesa de jantar, Alice olha de esguelha para Joel, e tamborila os dedos impacientes sobre o tampo de vidro. Jogado em sua poltrona, o namorado assiste ao futebol. Está como que abobalhado pela luz que vem da TV. De quando em quando estende o braço vagarosamente e apanha um punhado de batatas fritas da tigela sobre a mesinha. Mastiga com lentidão irritante, e farelos caem-lhe sobre a barriga. Depois leva a lata de cerveja à boca, sorve um gole comprido. As bochechas se inflam e ele arrota com visível satisfação.
Alice já sabe o que vem a seguir: lá pela metade do primeiro tempo, ele levará a lata aos lábios e fará uma cara de surpresa patética ao constatar que está vazia. Não vai pegar outra, é claro: não pode perder um lance sequer da partida. Ainda tentará beber duas ou três vezes, e em todas demonstrará a mesma surpresa. No intervalo (depois da exibição dos melhores momentos, nunca antes), ele vai se levantar para pegar mais cerveja. De passagem, fará algum comentário sobre o jogo, comentário dirigido menos a ela do que a si mesmo.
Ela acha exasperante essa previsibilidade, essa constante sensação de déja-vu. Tenta se lembrar das razões que a levaram a chamar Joel para morar com ela, seis meses atrás. Não encontra nenhuma razão convincente. Conheciam-se fazia pouco tempo, mas ela resolvera arriscar. Joel lhe transmitia então vagas sensações de bem estar: era tranqüilo, não gostava de discussões, não era ciumento. Como poderia ela adivinhar que essas características seriam o germe do monumento à apatia que agora assite ao jogo e constata (pela segunda vez) que tem nas mãos uma lata de cerveja vazia?
Quer livrar-se disso, dar um basta a esse relacionamento sem sentido, retomar sua vida. Quer sair, ver os amigos, e não passar os fins-de-semana assistindo ao namorado assistir a intermináveis partidas de futebol. É claro que poderia sair sozinha; Joel provavelmente nem notaria. Poderia, sim, mas não quer: os amigos todos estão casados ou namoram, e teria graça ser a única sozinha do grupo, explicando a todo momento que o namorado não pôde vir porque tinha jogo na TV, sabe como é. Não: quer livrar-se de Joel, apagá-lo de sua vida como quem expulsa da cabeça uma música ruim. Mas sabe bem que não pode fazê-lo.

Isso é um negócio que eu escrevi no ônibus indo para o Rio de Janeiro no final do ano passado. Continua? Não sei. Espero que sim.

28 comments

  1. Por isso eu me considero uma mulher sortuda, já que eu adoro uma cerveja, além de ser uma ótima companhia pra ocasiões melhores que futebol. E arrotos de saúde são totalmente liberados quando eu sou o complemento do casal, do trois, do suingue… Uma beleza! Mulher versátil!

  2. Vou tentar lhe passar um feedback completo do que eu acho (se prepara que vão aparecer muitos erros de português).
    Este conto me parece um oposto do Balde de Gelo, por um lado é bom já que o BdG é uma espécie de alter-ego seu com os mesmos gostos mas com outra roupagem (um escritor deve se abstrair de seus personagens, principalmente em narrativa, lembre-se que sua imaginação alcança muito mais possibilidades que sua vida.). Este conto esta mais denso, mas mesmo assim ainda é um conto contemporâneo e por isso algumas palavras como exasperante ou esguelha (ta na verdade só essas duas) poderiam ser substituidas por algo mais usual, o texto não se torna pobre por ter uma leitura facil.
    Minha opnião geral é: O conto é bom, bem escrito (pelo menos esse lance de escrever você faz bem), e a história é interessante, mas é uma obra de ma obra e não acho que este seria o momento de incia-la. Invista sua criatividade numa temática nova e depois retorne a este conto.
    Uma sugestão, leia um livro chamado “O mundo segundo Garp.” de John Irving, conta a vida de um jovem escritor contemporâneo, da algumas dicas boas.
    Esssa crítica era para ir em PVT mas como o senhor não me manda seu MSN aproveitei a oportunidade deste post para publia-la. []´s Marcelo

  3. Gostei do conto, apesar deste tipo de homem, e de relacionamento me enojar… Meu marido ama futebol, mas está aprendendo a dividir o tempo livre. E não bebe cerveja…
    E o livro chegou!!!! Até que enfim. Já tinha lido o blog todo, mas é muito bom relê-lo no livro. Só no trânsito de hoje lí umas 20 páginas…
    bjnho

  4. Aí tu demonstras o que no “fundo” eu já suspeitava: já foi mulherzinha um dia…talvez em outra vida, ou quem sabe há uma “louca” dentro de vc?!

  5. “quer livrar-se de Joel, apagá-lo de sua vida como quem expulsa da cabeça uma música ruim. Mas sabe bem que não pode fazê-lo.”
    Por que não pode? Hein? Ela tá grávida? Ele é violento? Bah… apático como você o descreveu ele não poderia ser violento… Por que ela não pode se livrar dele??
    Merda. Odeio ficar curioso.

  6. Ela Nao Se livra dele porque nao quer…ele é apatico e ela é também…nao quer largar o cara porque tem medo de sair e arranjar o outro. A Mediocridade é Confortável. Para Ambos

  7. Caramba Marcurélio! Tu falou exatamente o que eu penso!!! Lá no post do filme do Jorge Roubado.
    1º PAREM com essa história de mostrar miséria em filme, nós já sabemos como somos miserávies, não precisamos ver isso em filmes. Só estraga os filmes.
    2º Porra, eu sou assinante do Terra, tomo Brhama e pago impostos. Deveria eu pagar para ver o filme? Já to pagando, ué!

  8. Quero só ver o argumento que vc vai usar pra explicar por que ela não pode largá-lo. De qualquer maneira, espero que vc o faça sofrer bastante, e ela também merece: agüentou tudo isso 6 MESES DENTRO DA PRÓPRIA CASA? Vamos pedir piedade pr´essa gente careta e covarde…

  9. Opções para a mina:
    * Arrumar um amante
    * Virar o jogo e começar a assistir tênis na ESPN
    * Arrumar UMA amante
    * usar a TPM como desculpa para um assassinatozinho ou uma mutilação
    * veneno na cerveja?

  10. Você nunca me viu aqui porque eu nunca comentei seu blog, mas eu te leio há muito tempo, li o baldedegelo.blogspot.com e o Balde de Gelo. Sou apaixonada pela forma que você escreve (apaixonaaaada).Pela primeira vez senti vontade de comentar, mas não pra elogiar o conto que sem dúvida está divertido e bem escrito ou porque eu estou curiosa pra saber porque ela não termina com ele (que é óbvio que eu estou), mas porque gostaria de saber de onde saiu o tema.

  11. Sabe, fiquei imaginando se o texto acabasse ali, naquele “não pode fazê-lo.”, esse “não pode fazê-lo” ecoando por toda a eternidade da personagem.
    Nem sempre importa o desfecho que a história tem, mas a sensação que passa, e a angústia do não-pode eterno deixou tudo tão mais tenso!
    Eu gostei do efeito. 😉

  12. seu IDIOTA….VC TM PROBLEMA?Q ISSO….FIKAR ZUANDO CM CRISTO?VC É DEMENTE É?vai s dana seu besta chifrudo….vai zuar cm o diabo seu corno(a)….qm foi o demente q criou isso aki em?
    VAI KATAR COKINHU SUA BESTA BURRA!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

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