A revolta de Absalão

(II Samuel 15)
Depois de fazer as pazes com Davi, Absalão se sentiu à vontade para botar seus planos em prática. Para começar, mandou preparar para si um carro com cavalos de raça, e chamou cinqüenta homens para correrem adiante dele. Todo dia de manhã ele acordava e ia assim escoltado para o portão da Jerusalém, onde a estrada terminava. Ali passava o dia inteiro interpelando os israelitas que levavam questões e processos ao rei. A cada um que chegava, Absalão perguntava de onde vinha. Em seguida, jogava sua conversa:
— Veio de longe, hein? Pois é, rapaz… E pior é que você está certo aí nessa questão, certíssimo!, só que não tem ninguém para ouvir seu caso. Nenhum representante, conselheiro, nada. Mas paciência, né? Assim são as coisas. Puxa… Ah, se eu fosse juiz por aqui! Quem tivesse questões assim poderia me procurar, eu tentaria resolver da melhor forma possível. Enfim, deixa pra lá. Não sou juiz, paciência. Entra lá, talvez te ofereçam um cafezinho, pelo menos.
Não contente em plantar tais idéias nos ouvidos do povo, o príncipe adotava também uma postura demagoga: sempre que alguém chegava perto para curvar-se diante dele em sinal de respeito, ele abraçava e beijava a pessoa:
— Que é isso, meu irmão? Somos iguais, pra que é que você vai vir se inclinar na minha frente? Deixa isso lá pro rei, eu sou do povo, sou igual a você.
Agindo assim, Absalão ia conquistando a simpatia dos israelitas. Aos poucos, sem pressa, como era de seu feitio: apenas quatro anos depois de começar essa atividade diária ele começou a segunda parte de seu plano. Foi falar com o rei:
— Pai, vou a Hebrom oferecer sacrifícios a Javé.
— Ué. Virou religioso, Absalão?
— Não é isso. É que quando eu estava em Gesur, fiz uma promessa: se Deus permitisse que eu voltasse a Jerusalém, eu ofereceria sacrifícios a ele em Hebrom.
— Que bonito… Mas tá atrasado, hein? Você voltou faz o quê? Seis anos?
— Pois é, pois é… Tanta coisa para fazer, a gente vai adiando. Agora estou mais sossegado, então queria ir lá cumprir meu voto.
— Então vá em paz, meu filho.
Absalão agradeceu e saiu. Olhando o filho se afastar, tão belo e forte, Davi sentia o orgulho lhe estufar o peito. Não ficaria tão tomado pela corujice, porém, se soubesse o que o rapaz andava tramando. Pois Absalão, assim que chegou a Hebrom, mandou mensageiros a todas as tribos de Israel. A mensagem era simples: instruía o povo a proclamar que Absalão havia se tornado rei em Hebrom assim que ouvisse um determinado toque de trombeta. Era arriscado tentar usurpar o trono dessa maneira, mas Absalão contava com a simpatia que granjeara durante os quatro anos em que ficara bajulando os israelitas às portas de Jerusalém. Mas saíra da cidade acompanhado de duzentos homens. Estes, embora não soubessem nada de seus planos e o acompanhassem de boa-fé, poderiam vir a ser de grande serventia. Além do mais, para ter maior garantia, o filho de Davi achou que seria bom ter um reforço de peso. Mandou então chamar Aitofel, originário da cidade de Gilo e conselheiro de Davi. Absalão explicou a ele seus planos de se tornar rei, pintou um futuro pujante para Israel, prometeu grandes recompensas a quem ficasse a seu lado. Aitofel não precisou de muito mais que isso para bandear-se para o lado dos conspiradores, e assim fortaleceu a revolta contra o rei.
Davi ainda pensava com orgulho no filho que saíra para Hebrom quando um mensageiro veio lhe trazer a bomba:
— Majestade, trago-lhe uma bomba.
— Uma bomba?
— É. Olha que beleza.
— Hum. Pra que serve?
— O senhor bota seu pênis real dentro disso aqui e vai apertando a borrachinha. A propaganda diz que pode aumentar em até sete centímetros.
— SETE?! Mas que beleza de produto!
Er… Com licença?
— Claro, narrador, sinta-se à vontade.
Obrigado. Então. Quando eu disse “bomba”, era na verdade uma metáfora para “notícia ruim”.
— Ah! Bem que eu estranhei. Bom, vou sair e entrar de novo, tudo bem?
Manda bala.
— Vou precisar de uma arma, então.
NÃO! ARGH! Olha, apenas entre e dê sua notícia, ok? Vai lá.

Aham… Majestade! Absalão proclamou-se rei!
— Rei? Rei de onde?
— Oras, de onde! De Israel!
— Absalão? Rei de Israel? Bah, deve estar bêbado.
— É mais sério que isso, majestade, lhe garanto. O povo está do lado dele.
— O povo? O povo de Israel? Mas como o povo está do lado dele? Eu sou rei há tantos anos, nunca deixei faltar nada à nação, e é assim que me pagam?
— O senhor não se lembra de Absalão na porta da cidade, conversando com todo mundo que vinha aqui?
— Sim, mas o que que tem?
— Pois é. Foi bajulando, bajulando, convencendo as pessoas que ele seria um rei melhor que o senhor, e aí está.
— Mas que grande filho-da-puta me saiu esse moleque!
— É. E aí? Que fazemos?
— Damos no pé, isso é o que fazemos.
— Eita! E abandonar Jerusalém assim, sem resistência.
— Prestenção: pra começar, você é só um mensageiro. Eu poderia muito bem matá-lo só por ter trazido notícia ruim, quanto mais por ficar me questionando. Além disso, conheço o filho que tenho. Ele é pior do que eu quando tinha aquela idade. Ele não vai descansar enquanto não se sentar neste trono. Não, não: se quisermos escapar, temos que fugir, e agora mesmo. Se Absalão nos pega aqui, mata todo mundo.
O rei não perdeu tempo: mandou chamar todos os funcionários e a soldadesca e picou a mula, deixando no palácio dez de suas concubinas como guardas. Bom, esse papo de guardar o palácio era balela: era mais um presentinho para quem viesse.
Saiu o rei, com todos os seus funcionários em volta dele, e com sua guarda pessoal e os seiscentos homens que o seguiam desde o tempo em que era ele próprio um revoltoso, e pararam todos já perto da muralha. Ali Davi se deu conta da presença de Itai, um giteu comandante de seu exército. Exasperou-se:
— Por que você me acompanha, Itai? É estrangeiro refugiado, mora em Israel há pouco tempo, não tem nada com esse furdunço todo. Volte com seus amigos para Jerusalém, juntem-se ao rei Absalão. Eu saí de lá fugido, não sei para onde vou. Por que faria você ir comigo? Volte para a cidade com a minha bênção.
— O senhor me desculpe, majestade, mas não concordo com isso. Israel é o meu lar. Irei com o senhor aonde for, mesmo que morra por isso.
— Hum. Então tá. Bora.
Era uma cena triste de se ver: enquanto o cortejo passava por Jerusalém, as pessoas choravam nas portas de suas casas, despedindo-se do rei. Agora que já estavam fora da cidade, restava apenas escolher um rumo a seguir. Tanto fazia, estavam fugindo. Só não podiam ir para os lados de Hebrom, ou corriam o risco de encontrar Absalão e seus homens. Então atravessaram o Vale do Cedrom na direção do deserto. No meio do cortejo ia o sacerdote Zadoque e todos os levitas carregando a Arca do Acordo. Ainda no vale, puseram a Arca no chão, e Abiatar ofereceu sacrifícios pedindo a Javé que os protegesse naquela jornada para sabe-se lá onde. Vendo os sacerdotes e levitas, Davi teve uma súbita inspiração que o animou um pouco. E foi com o brilho dos velhos tempos nos olhos que foi falar com o sacerdote:
— Zadoque, você vai voltar para Jerusalém.
— Mas de maneira nenhuma! Vou com o senhor aonde for.
— Deixa de ser puxa-saco e me escuta, homem! Seguinte: você vai pagar a Arca e voltar para a cidade. Se Javé for mesmo com a minha cara, ele fará com que um dia eu volte a Jerusalém e reveja a Arca. Caso contrário, paciência.
— Mas, majestade…
— Não terminei ainda, cáspita! Você vai voltar para lá juntamente com seu filho Aimaás e Jônatas, filho do Abiatar. Eu vou ficar aí pelo deserto até receber alguma notícia de vocês.
— Ah! O senhor quer que nós sejamos agentes secretos!
— Isso, espertão! Olha, bem que me disseram que você era vidente! Biduzão! Humpf…
Zadoque chamou Abiatar e voltaram com seus filhos para Jerusalém, carregando a Arca nos ombros. Ao ver sumir longe o símbolo maior da religião e da nação de que fazia parte, Davi desanimou novamente. Rasgou suas roupas em desespero e subiu o Monte das Oliveiras chorando de dor. Os que o acompanhavam fizeram o mesmo. No meio do caminho, o rei foi informado da traição de Aitofel, o que só contribuiu para deprimi-lo mais ainda. Apelou:
— Oh, Deus! Faz com que os conselhos de Aitofel confundam a cabeça de Absalão!
Mas não precisou da ajuda divina: quando chegou ao alto do monte, num lugar onde se costumava oferecer sacrifícios, seu fiel amigo Husai, o arquita, foi encontrar-se com ele. Trazia, como todos os outros, as roupas esfarrapadas e a cara inchada de tanto chorar.
— Ô, meu velho.
— Vou com você, Davi.
— Hum… Sabe que você me deu uma idéia? Ir comigo não vai adiantar muito. Preciso de você é em Jerusalém, infernizando a vida de Aitofel.
— Estou ouvindo.
— Vá até o palácio e apresente-se a Absalão dizendo que quer juntar-se a seu grupo. Ele o conhece, sabe que você sempre esteve a meu lado, vai pensar que você pode ser útil a ele. Mas você será útil a mim: sempre que Aitofel der um conselho ao rei, dê um jeito de contrariá-lo. Quero que aquele canalha passe muita vergonha. Além disso, mantenha os ouvidos bem abertos. Os sacerdotes Zadoque e Abiatar estão em Jerusalém, também como agentes meus. Conte a eles tudo que você ouvir no palácio e considerar importante; eles darão um jeito de transmitir a mim.
— Opa, beleza. Pode deixar comigo, Davi.
— Obrigado, amigo.
— Oras, estou aqui pra isso.
Husai despediu-se do rei e dirigiu-se à cidade. Por coincidência, chegou a Jerusalém no mesmo instante em que Absalão chegava.

23 comments

  1. Posso comentar aqui falando do post de baixo como fiz da outra vez? Posso, eu acho.
    Então, eu acho que você deveria pensar apenas que tudo nesse universo termina, até as estrelas. Por que nós, humanos gostosões-fodões-que-sabem-de-tudo também não podemos ter fim, heim? Por que não? O sentido da vida é viver, como os cachorros fazem, mantendo um ciclo. O que atrapalha é essa nossa capacidade de pensar, ficamos sempre insatisfeitos e não aceitamos isso! O sentido da vida – ou melhor, a graça – é sentir prazer.
    Bem, tudo isso você já deve saber, mas eu queria dizer para demonstrar meu conhecimento amplo de filosofia existencial (¬¬).

  2. E agora? Fiquei na dúvida se comento do capítulo ou do Lula…
    Ah.
    Esse Davi bem mereceu o golpe, eu já tava meio abusada dele mesmo, mas que essa traição foi como uma facada no coração, isso foi. Acho até que ele devia ter sofrido mais, sofreu pouco…

  3. Ah, então os homens-bomba em Israel são pessoas que carregam aparelhos para aumentar o pênis. A princípio nada de mais. Só que pintos circuncidados explodem na operação.
    Mas eu fiquei com pena mesmo foi da mulinha…
    Davi não precisava ficar com tanta raiva e picar a coitadinha… chiunf!

  4. Caralho, Marcos tu escreve bem pra cacete. E isso vai dar um livro? Não é a toa q tu tá cheio de fãs. se depender de mim a galera do Rio vai passar toda por aki. Citei vc lá no meu texto no letrados. Se tiver tempo confira e chicoteia. Grande Abraço.

  5. Eu tava pensando, sabe o que eu acho que tá faltando nas histórias bíblicas, em relação às do começo do Blog? Personagens! Desde Moisés, eu não lembro de nenhum personagem digno de nota, que nos fizesse ter qualquer sentimento por ele… Dá a impressão de que você só está contando a história! Por isso que eu fico sempre pedindo que Deus se manifeste, porque é um personagem muito legal.
    Nesse post, por exemplo, o Absalão tinha tudo pra virar um capo mafioso em busca de poder a qualquer preço (queima das plantações), ou um general conspirando contra um João Goulart frouxo, ou até um Zé Alencar Ministro da Defesa traindo o Lula e botando ele na parede (pra comentar o post e os comentários)…

  6. marco, pra variar to fazendo uma pergunta que não tem nada a ver com o blog usando a caixa de comentários ehehe mas preciso da ajuda de um paulistano e me lembrei de voce. voce saberia me dizer o nome de algum hotel perto da beneficência portuguesa? se souber e puder responder, brigadão :}}

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