Legião

Metrô, passa de meia-noite. O sujeito entrou no vagão empunhando um violão folk e com uma gaita presa ao pescoço. Apresentou-se aos ilustres passageiros e começou a tocar um blues. Ninguém deu muita atenção. Um preto que viajava em pé o chamou para fazer um pedido. “Pronto”, pensei eu, o mulato racista, “lá vem pagode”. Qual nada! O cara tinha pedido Legião Urbana, que é o que as pessoas pedem quando há um violão por perto. Foi bonito de se ver: o cara começou a tocar Será. Uma moça começou a cantar junto, dois bêbados se juntaram a ela, eu somei minha voz ao coro, e logo o vagão todo estava cantando. Ao final, todos aplaudiram. O músico mambembe, espantado com a reação, esqueceu-se de passar o chapéu e saiu do trem agradecendo.
No mesmo instante, me lembrei de quando Renato Russo morreu. No domingo seguinte, os amigos vieram aqui em casa (foi numa época distante, quando os amigos me visitavam, quando conversávamos sobre o futuro. Agora o futuro chegou, e é uma bela porcaria). Estávamos conversando na sala, falando as bobagens de sempre e assistindo TV. De repente a TV e a luz da sala se apagam: queda de energia. Fomos procurar velas, acendemos algumas e continuamos a conversa. Peguei o violão e comecei a tocar alguma coisa da Legião Urbana. Terminei a música, e um deles pediu outra. E depois outra. Só Legião Urbana. Cantamos até a Eletropaulo resolver o problema, à luz de velas, como num ritual em memória de Renato Russo, cujas letras haviam embalado nossa adolescência recém-terminada.
Hoje há uma tendência a se subestimar as músicas da Legião Urbana, tidas como infantis, bobas, cheias de lugares-comuns. Isso pode até ser verdade, sei lá. Eu sei que o adolescente ingênuo que eu era então ouvia aquelas letras e só conseguia pensar, “Puxa, eu não estou sozinho”. O que era ingenuidade demais até para mim: é claro que estou sozinho, todos estamos.

43 comments

  1. Quando ele morreu, eu estava dirigindo lá na avenida Vereador José Diniz. Lembro de ter que parar o carro numa daquelas “ilhas” e ter tido um puta acesso de choro.
    O que morria ali não era só Renato Russo, era muito mais coisa.
    E a letra de “Os Barcos” é maravilhosa, tããão linda e bem-feita, poeticamente falando. Quanto à música, não opino. Mas a letra é.
    Beijo, querido.

  2. essa impressão que o futuro chega e ele vem defasado e feio, é foda.Pensar ainda as coisas se afastam lentamente dá um frio e ao mesmo tempo satisfação de ver algumas coisas morrerem em definitivo. O negócio é manter o passo.Abraço.

  3. Todos estamos sozinhos, meu Deus do céu, isso é verdade. Talvez por isso eu chore todo dia antes de dormir. Ou pelo medo do escuro. Ou pela saudade que eu sinto do Renato Russo. Sei lá.

  4. Se as letras são infantis, cheias de lugares-comuns e isso as torna piores, tenho pena de quem deixa de apreciá-las por isso. A vida não é poesia pura, não é uma adulta inteligente, não é um filósofo cheio de neologias.
    Pelo menos a minha vida é boba, infantil e cheia de lugares-comuns. Ainda bem.

  5. Marco, escutando as pessoas hoje falarem do Legião Urbana, me lembra um pouco quando me falavam de Beatles. Claro que a época e o estilo não permitem comparações, mas há um ponto entre eles. Ambos são óbvios, ambos têm canções fáceis, melodias previsíveis. É fácil reconhecer Beatles e Legião Urbana, mesmo quando cantados ou tocados por outras pessoas. Mas isto a gente pode falar hoje. E antes deles, quem fazia igual? Ser óbvio ou lugar comum pode até ser um grande defeito, quando você não é o primeiro. É dificílimo ser infantil. Não sei se você concorda, mas o que eles fizeram foi difícil pra cacete, por isso eu chorei muito no dia que o Renato se eternizou.

  6. olha as idéias no ar…
    um amigo veio do Brasil e trouxe um disco ao vivo do Legião. eu que sou metida e cool nem dei a menor importância, mas quando a gente colocou ficamos os três cantando as músicas aos berros dentro de casa. Uma semana depois fomos ao show do Pixies (desculpaí) ouvindo o disco e cantando, muito alto no carro, e na volta do show eu cheguei à conclusão de que não é só uma banda, eu gostava deles porque é bom que só, eu envelheci só por fora e essas músicas são tão parte da minha vida quanto as pessoas.
    adorei essas coincidências…

  7. As letras de Legião podem ser infantis, bobas e cheias de lugares-comuns, mas fazem parte de cada um de nós, que beira os 30.
    Foi a trilha sonora de nossa adolescência.
    Engraçado falarem isso, quando todas as “bandas” de hoje tentam imitá-los e almejam alcançar o público fiel que eles tiveram.
    Algumas músicas são hinos para nós.
    Quero ver alguém hoje em dia fazer um país todo decorar uma música de mais de 11min, como todos nós decoramos Faroeste Caboclo.
    Beijos, Marcos.
    E, como dizia minha vó: antes só do que mal acompanhado.

  8. é a primeira vez q estou passando aki e so posso dizer q eu adorei!
    É realmente as letras de Legiao sao bobas, infantis, etc…Boas mesmo sao as letras de Felipe Dyllon, Mc alguma coisa, Lacraia e cia. Em pensar q isso tem embalado a adolescencia de hj…

  9. EU cresci ouvindo Legião. EU envelheci com a sensação de que Renato sabia dizer exatamente o que eu queria dizer e não conseguia, o que eu precisava ouvir na hora certa. EU senti na pele cada música da Legião, e há de se convir, é ícone da música brasileira…
    e EU SEI o quanto Renato Russo me faz falta, o quanto a Legião Urbana me faz falta, e o quanto dói ver essa molecada crescer sem ter o apoio das músicas deles… Pq Legião (feliz ou infelizmente) ainda é atual.
    LEGIO URBIS PRA SEMPRE!

  10. Acredito que exatamente por serem “infantis, bobas, cheias de lugares-comuns” todos simpatizam com elas.
    Pois assim percebemos o quão somos iguais a todos. Somos apenas mais um e um só…

  11. Eu sempre gostei de Legião Urbana e continuo gostando, e não faz diferença o que os outros pensam. Sempre há alguém pra criticar uma banda, mas qual é a banda no mundo que não é odiada por ninguém?

  12. Eu ouvia também, muito. O problema começou quando virou Religião Urbana, agora não consigo mais escutar quase nada.
    Metrópole é uma das exceções, sempre canto a letra quando o povo para ver algum acidente.

  13. Cara, isso é covardia! Quando Renato morreu, o meu poeta (saudades, Ti!) chorou no meu ombro…e eu chorei junto. Tantos sonhos se desfizeram aquele dia. O do meu poeta era ver uma de suas músicas cantadas por Renato. Mas a homenagem veio de qualquer forma, no dia da formatura de Tiago. Lindo…
    E as letras não são bobas não… Bobos são os que não amam… (bleargh!! Que brega!! Piegas!! que…)

  14. “ora quem é que não sabe, o que é se sentir sozinho? mais sozinho que um elevador vazio…” talvez por isso, hoje, legião urbana, renato russo, me pareça tão chato. não digo ruim. digo chato. e, sabe, minha adolescência tb acaba de acabar. ou, como diria o melhor operador de tlmkt, minha adolescência estará acabando em breve. ou não. ah, foda-se. gostei do texto.

  15. Lembro de um amigo meu que pediram a ele pra tocar uma música do Legião. Ele odiava Legião e não conhecia nada. Ai ele (estudante de violão clássico, super técnico e tal) começou a tocar 4 acordes aleatórios, daqueles mais básicos. De repente as pessoas começaram a cantar alguma música do Legião. Eu acho isso fabuloso!

  16. Quando ele morreu eu era meio novo e, sinceramente, nem me lembro. Só sei que começei a gostar de legiao depois do fim da banda e, no entanto, nao acho as letras nem um pouco bobas e infantis. Alem do mais, renato se sentia tao sozinho quanto nós.

  17. As letras do Renato tentavam ser criticas, mas eram apenas ingenuas (vide Geracao Coca-Cola e Que pais e esse? para dois pequenos exemplos). As musicas eram simplorias, com uma batidinha punk que irrita qualquer ouvido acostumado com coisas mais elaboradas. Eles imitavam bandas inglesas do final da decada de 70 e inicio da de 80 (e nem estou falando dos Smiths, por exemplo, pois isto seria dizer o obvio). Enfim, nao sei como a Legiao conseguia esse efeito todo nas pessoas que nasceram entre 75-85.

  18. Talvez vocês me achem louco mas assim. Eu só fui prestar atenção na Legião Urbana pela primeira vez numa prova de português da sexta série. O professor colocou a letra de Geração Coca-Cola e eu adorei. Pedi pro professor me devolver a prova depois de corrigir mas o sacana não me devolveu. A partir daí comecei a gostar de algumas músicas (Faroeste Caboclo por exemplo). Depois das primeiras decepções sentimentas passei a gostar de todas as músicas. Hoje eu adoro Legião mas tenho ouvido pouco. Mas tem músicas que sempre estão na minha cabeça como Quase Sem querer e Angra dos Reis

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