Davi reina sobre todo o Israel

(II Samuel 5:1-16)
Com a morte do rei, as autoridades israelitas precisavam providenciar logo um substituto. A tarefa, que seria das mais ingratas fossem outras as circunstâncias, era então bem leve: os líderes já haviam concordado com Abner que Davi era a melhor alternativa; a morte de Isbosete apenas acelerara o processo. Então os líderes foram até Hebrom, fizeram aquela rasgação de seda com Davi — dizendo que mesmo na época de Saul ele já se mostrava um líder nato, e que Javé o escolhera e todo esse blablablá — e terminaram convidando-o para ocupar o trono unificado de Israel. Davi, que não queria outra coisa, aceitou de bom grado, e ali mesmo foi aclamado rei de todo o Israel. Sete anos e meio depois de ter subido ao trono de Judá, Davi, aos 37 anos, finalmente unificava a nação da qual seria rei por mais 33 anos. Nada mal para quem começara como mero pastor de ovelhas.
Agora que era rei, Davi precisava estabelecer sua capital. Hebrom, embora fosse cidade importante, era demasiadamente identificada com o reino de Judá. Se continuasse a dirigir o país a partir de lá, Davi corria o sério risco de não ter sua autoridade reconhecida pelas tribos do norte, o que poderia levar Israel de volta à cisão. Gibeá, capital de Saul, estava muito ligada ao nome do antigo rei. Maanaim, na Transjordânia, de onde reinara o desastrado Isbosete, fora uma escolha baseada mais na distância segura que havia entre a cidade e os filisteus do que em qualquer importância que a cidade tivesse. Enfim: Davi precisava de uma capital, e nenhuma cidade de Israel parecia adequada. Até que, durante uma passada de olhos pelo mapa do país, o pontinho representando uma cidade pareceu saltar aos olhos do rei. Era perfeita: ficava exatamente na fronteira entre Israel e Judá, o que faria dela um bom símbolo da união definitiva entre os dois reinos. Era uma cidade fortificada, tendo um trecho murado no alto de um monte, o que a tornava segura para a moradia do rei. E, finalmente, estava ocupada por estrangeiros — os jebuseus — e sua tomada seria uma vitória nacional. Davi bateu na testa: como não pensara nisso antes? A cidade era perfeita, perfeita! Que cidade era essa? Oras, vocês sabem. Vejam no mapa:


Sim, sim! Jerusalém — cujo nome hebraico, Ir-shalom, significa cidade de paz — já então era cenário de guerras.
Feliz com sua idéia brilhante, Davi tratou logo de juntar seus homens e partir para perto a fronteira entre Benjamim e Judá. Lá eles sitiaram a cidade, esperando que os jebuseus se entregassem. Nesse intento, Davi se aproximou da muralha e gritou:
— Jebu! Ô, jebu!
— Jebu teu rabo! Mais respeito, ô ruiva!
— Ruiva é um cacete! Eu sou é rei de Israel, tão me ouvindo?
— Rei de Israel, pffff… O que cê quer aqui, majestade?
— Bom, eu preciso de uma capital. Escolhi Jerusalém.
— Ah! Escolheu, foi? E me diga, como é que vossa ruiveminência pretende entrar aqui? Metendo o pé na porta?
— Se for preciso…
Nhenhenhenhé… Pois venha, vossa baitolescência, venha! Não vamos nem perder tempo com você: só os cegos e os aleijados aqui de Jerusalém já bastam pra botar vocês pra correr de volta para Hebrom.
— É o que veremos…
Davi voltou ao acampamento e combinou o ataque com seus comandantes. Deram contra a cidade com força, e logo a tomaram, para espanto dos jebuseus. O rei e seus homens entraram em Sião, a tal fortaleza alta, que passou a se chamar Cidade de Davi.
Embora vitorioso, Davi não se esquecera da provocação feita pelos jebuseus, e disse a seus homens:
— Eu odeio essa raça, os jebuseus! Não diziam que para nos derrotar bastavam os cegos e os aleijados? Pois sim! Onde estarão os safados? Eu tenho um palpite: subam pelo canal de água que entra na cidade, aposto que os filhos-da-puta estão escondidos lá.
Os soldados israelitas assim fizeram, terminando assim a tomada fulminante de Jerusalém.
Já estabelecido em sua capital, Davi firmava-se no trono. Como se isso não fosse suficiente, Hirão, rei de Tiro — mais importante cidade da Fenícia — mandou de presente ao novo rei de Israel toras de cedro, carpinteiros e pedreiros, para que lhe construíssem um palácio. O primeiro palácio da monarquia israelita digno desse nome foi construído em Sião. Além dele, Davi ordenou que se construíssem mais muralhas, reforçando assim a segurança de sua cidade.
Em paz e segurança, morando num palácio construído com o melhor cedro do Líbano, Davi encontrou tempo para entregar-se a seu esporte favorito. Arrumou mais algumas mulheres, e em Jerusalém lhe nasceram mais filhos: Samua, Sobabe, Natã, Salomão, Ibar, Elisua, Nefegue, Jafia, Elisama, Eliada e Elifelete.
Epa, alguém falou em Salomão? Sim, sim. Mas foi só uma lista. Salomão ainda demora para surgir na nossa história. Antes, entre outras coisas, Davi devia explicações aos seus protetores filisteus.

A parte alta de Jerusalém era chamada Sião por causa do nome do monte que a abrigava. A palavra hebraica significava um sinal. Mais tarde, os israelitas passaram a se referir a toda a Jerusalém pelo nome de Sião. Já no exílio, quando diziam Sião estavam se referindo a todo o Israel. A idéia de Sião como símbolo maior de Israel ficou tão incutida na mente do povo que o movimento que reivindicava o reestabelecimento de uma nação israelita na Palestina (objetivo alcançado em 1948, com a criação do Estado de Israel) chamava-se Sionismo.
Outra curiosidade: na trilogia de Matrix, Zion (nome inglês de Sião) é a cidade dos humanos, a “casa” para a qual todos querem voltar. A reverência que os personagens do filme demonstram ao falarem de Zion reflete a mesma atitude dos judeus em relação a Jerusalém.

22 comments

  1. Egua Marcos… Toda vez que eu entro nesse blog eu me espando com tua capacidade de “interpretar” os textos.. putz.. e eu sempre na minha crise de criatividade..
    não queres me alugar uns posts???
    =]

  2. Tá certo que eles conseguiram entrar, mas a parte do diálogo entre a ruiveminência e a galera de Jebu me lembrou demais o diálogo entre o Rei Arthur e os franceses do Cálice Sagrado. Aquela ragação de seda toda lembram? Só façtou um “coelho de tróia”, heeheheee!
    Já não bastasse isso, o capítulo ficou realmente muito bom!
    Valeu, ótimo para uma sexta-feira.
    T+

  3. ZION RLZ!!
    Melhor que Zion, só o discurso do Morpheus pra Zion; acompanhado de uma Ravezinha básica!! Tipo assim;
    Morpheus: Zion! Hear me! It is true, what many of you have heard. The machines have gathered an army, and as I speak that army is drawing nearer to our home.
    Crowd: [whispers]
    Believe me when I say we have a difficult time ahead of us. But if we are to be prepared for it, we must first shed our fear of it! I stand here before you now, truthfully unafraid. Why? Because I believe something you do not? No! I stand here without fear because I remember. I remember that I am here not because of the path that lies before me, but because of the path that lies behind me! I remember that for 100 years we have fought these machines. I remember that for 100 years they have sent their armies to destroy us. And after a century of war, I remember that which matters most. We are still here!
    Crowd: [cheers and applause]
    Tonight let us send a message to that army. Tonight let us shake this cave! Tonight let us tremble these halls of earth, steel, and stone! Let us be heard from red core to black sky. Tonight, let us make them remember. This is Zion! And we are not afraid!
    Crowd: [thunderous cheers and applause]

  4. Uau! Tem até ilustração!!!! Estamos progredindo a olhos vistos!!!
    Brincadeiras a parte, deixo aqui a minha admiração à você, tanto como escritor, quanto como pessoa, já que é impossível não deixar sua marcar pessoal em seus escritos! Sucesso, garoto!

  5. Que diferença da paródia feita do genesis, pra os relatos quase identicos dos teus livros de agora!!!
    quem dera voce ter feito capitulo por capitulo com faz hoje, desde o inicio! seria show!!

  6. Desculpa o comentário atrasado, mas eu acabei de ler “velório” agora e queria que você soubesse que sou sua fã.
    Quanto ao código da Vinci, saiu no estadão um cara falando desse livro. Você ia adorar. O cara pesquisou e provou que o livro é uma mentirada total. Eu to tentando achar o nome dele, mas tá dificil, se eu achar eu comento aki.

  7. Cara nào sou especialista nem em Biblia nem em Matrix mas no Animatrix eu entendi que o nome ZiOn vinha do local onde deportaram os Robôs chamos de Zero One Zi = Zero (já que em ingles o E tem som de I) e On de One mesmo…acredito na sua versão também mas qual será que influenciou a outra? []’s e continue escrevendo que tu faz isso muito bem.

  8. Marcelo, uma coisa não anula a outra. Ou você acha que as escolas novas da prefeitura de São Paulo são chamados de Centros Educacionais Unificados por outra razão que não seja a sigla, CEU? Percebe?

  9. Aqui a Dona Rozinha chama suas escolas de CEI (Centro de Educação Integrada), a dúvida que fica no ar é a pergunta retórica referenciaram Sião por que o nome Zero Um ficou pareceido ou inventaram um Zero Um por que queriam referenciar a Sião?
    []’s Marcelo

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