Viagem ao passado – Parte I

Tive que ir a Santana hoje para resolver problemas bancários. Não resolvi nada, mas acabei revivendo um pouco do passado.
Para começar, fui rever os ex-colegas do Colégio Luiza de Marillac. Não, não estudei lá, que idéia! Tenho orgulho de minha formação 100% escola pública (o que me serve de desculpa nas freqüentes ocasiões em que me mostro uma besta completa). Trabalhei lá entre 1994 e 1997. Não vou dizer que foi um tempo feliz: foi tão triste, frustrante e desesperador quanto todos os meus outros empregos. Mas fiz alguns amigos por lá, e valia a pena revê-los. Passei por lá, portanto, e falei rapidamente com as pessoas. Sete anos depois, parece que ninguém mudou. Estão todos com a mesma cara, e aposto que com a mesma idade. O que me deu medo, por me lembrar certo pesadelo, então fui embora.
Voltando para o metrô, passei em frente ao Famoso Bar do Justo. Não sei se o bar é famoso ou não, o fato é que esse é o nome carregado de pretensão do estabelecimento. A contracapa do cardápio traz uma frase, “Adão não comia nem bebia porque o Famoso Bar do Justo não existia”, ou alguma outra coisa igualmente idiota. Em suma, um lugar estúpido. Mas me lembrou um momento feliz: meu primeiro porre. Sim, eu tinha 20 anos quando enchi a cara pela primeira vez. Eu e mais dois caras matamos aula do Cursinho Universitário e fomos tomar cerveja no Justo. Ficamos umas três horas no bar, o que foi suficiente para sairmos cambaleando. Um dos sujeitos era um magrelo narigudo que usava óculos de armação de metal e não tirava o boné. Nós o chamávamos de Spielberg. O outro era um loiro muito pálido, fã de Bukowski, um dos caras mais engraçados que já conheci. Não o chamávamos de nada. De “Ô!”, às vezes.
Saímos às onze da noite e o Spielberg quis saber:
— O que fazemos agora?
— Agora vamos pra casa, oras — eu respondi, enrolando a língua.
— Nah, muito chato.
O fã de Bukowski teve a idéia:
— Tá, então vamos fazer uma serenata.
— Serenata? Pra quem?
— Sei lá! Escolhe uma rua aí, Cabeça.
Cabeça era eu, claro. Escolhi a Rua Darzan, do outro lado da Cruzeiro do Sul. Algumas casinhas muito simpáticas e silenciosas pareciam pedir por uma seresta ébria. Atravessamos a avenida — sempre protegidos pelo infalível anjo da guarda dos bebuns — e o Spielberg escolheu uma das casas. O loiro (que era sósia quase idêntico do Carlos Moreno, aquele do comercial do Bom Bril) pigarreou e soltou a voz, surpreendentemente grave e afinada:
Start spreading the news
E nós:
[Tantan-tanran-rã, Tantan-tanran-rã]
E continuamos:
I’m leaving today
[Tantan-tanran-rã, Tantan-tanran-rã]
I want to be a part of it,
New York, New York

Cantamos New York, New York duas ou três vezes, e depois fomos cada um para seu lado. Vomitei muito ao chegar em casa, não estava acostumado ao álcool. Estava feliz, porém: acabara de aprontar uma presepada com novos amigos, um de meus passatempos prediletos.
Hoje, depois de passar pelo Bar do Justo, atravessei a Cruzeiro do Sul e fui ver as casinhas de perto. Uma surpresa: todas as casas da rua estavam alugadas para empresas. Será que já eram na época, e nós, do meio da nuvem de embriaguez, não percebemos? Se sim, deve ter sido divertido para um ou dois vigias de plantão, em vez das famílias desconcertadas pela cantoria que imaginamos então. Quanto aos dois amigos, sequer guardei seus nomes, como se nota. Ao pensar nisso, fiquei um tanto melancólico: será esse o fim de toda amizade? Uma ou duas histórias relembradas com carinho, protagonizadas por personagens sem nome e quase sem feições? Quanto tempo leva para uma amizade se formar? Quanto tempo leva para sumir sem deixar vestígios?
Eu não tinha nada que ir até Santana hoje. Definitivamente.

34 comments

  1. Meu, nostalgia faz bem. Pelo menos pra mim, faz. E o primeiro porre a gente nunca esquece mesmo, diferentemente do primeiro sutiã, que eu nunca achei uma mulher q se lembrasse (a começar por mim).
    Conheci seu blog hoje, e vou vir aqui todo dia atirar pedra. Beijo.

  2. Conhece o poema “Memória” do Drummond?
    “Mas as coisas findas/muito mais que lindas/essas ficarão.”
    Acho que é isso… pelo menos pra mim é.

  3. Será q tu num tem uns amigos perdidos em Sorocaba tb?? Qdo meu livro sair, vc vai vir beber aqui tb??? E ainda, antes disso tem meu niver, de criança tem minha princesinha.. acho q vcs se dariam muitíssimo bem.. eu não alcançaria a complexidade da conversa de vcs, mas ficaria feliz em ver a Má em – duvidosa, porém – boa companhia…Beijinho.

  4. Pô… lembrei do meu primeiro porre numa festa de halloween. Eu num bebia e meus amigos me incentivaram a tomar uma cerveja. Eu resolvi tomar uma cerveja pra tomar coragem de chegar na menina q eu tava afim (linda). Bom resumindo bem eu tomei TODAS pra tomar coragem, não tomei coragem (Era patetico eu dizendo: Fulana! (num vou dizer o nome dela)Ela: Diga Uly.
    Eu: Err… nada não.
    Claro isso se repetiu umas 5 ou 6 vezes com direito a eu enrolando a lingua perguntando isso.)
    Não tomei coragem, mas tomei whisky e fui carregado pra casa de tão bebado q eu fiquei. Nuunca mais fiquei num estado tão deploravel… Eu lembro q eu ria e chorava ao mesmo tempo… mto loko…

  5. é por aí… em poucas épocas da vida vc tem amigs de verdade, na maior parte da vida são amigos de escola, amigos de trabalho, coisas empurradas, os amigos de bebederas da pos adolecencia são os mais massa e os menos lembrados, pq vc tava sempre bêudo ora essa… ou não….

  6. Eu esqueci muitos rostos dos que ficaram por onde já passei. Tá, não foram tantos lugares assim, mas, de qualquer forma, pedir nomes e trejeitos de cada um dos que um dia foram meus “amigos” seria perda de tempo.
    Há amizades de um segundo. Amizades de uma vida inteira. Aquelas que levam um segundo pra se formar, as que levam uma vida inteira… Tem as que não se formam (por um motivos ou outro). Cada uma é uma. O negócio é não perder a oportunidade de conquistar a próxima. Eu acho…
    Abraço

  7. Coincidentemente outro amigo meu escreveu um texto (http://nabucodonosor.weblogger.com.br) se questionando quase as mesmas coisas que você, meu amor.
    Tenho me questionado muito sobre a duração das amizades, principalmente porque nos últimos dois anos conheci muita gente nova e, sem perceber, me afastei de algumas amizades antigas (que também se afastaram de mim). Outro dia me vi perguntando se todo tipo de relação tem “prazo de validade”. Acho que sim…

  8. Marco,
    gosto muito da sua maneira de escrever.
    Conheci seu blog há pouco tempo de uma maneira que eu diria curiosa. Se vc. quiser saber depois eu lhe escrevo contando.

  9. Acredito q as chamadas amizades perenes são raras mesmo, quase extintas, prá não dizer inexistentes. São mto atreladas às circunstâncias, e vão embora pelo desejo egoísta de cada um em viver “suas” vidas. Dois exemplos legais de amizade na bíblia: Davi e Jonatas, Rute e Noemi. Em nenhum desses casos as influências externas apagaram o sentimento.

  10. Bem, pensei q nossa amizade tinha demorado 1 angustiante ano, mais ou menos, pra começar. Me enganei. Pelo seu sumiço ela esperou 1 ano (eu acho) pra nascer e morrer rapidamente como um…vc sabe o quê…

  11. Várias coisas:
    1- fiquei o dia todo tentando me lembrar do meu primeiro porre e não consigo, estou desesperado.
    2- Afinal, pq ao reencontrar velhos amigos tudo o que se consegue fazer é conversar sobre o passado?
    3- Por sua culpa descobri Belle and Sebastian… fico te devendo essa!
    Só mais um anônimo entre tantos.

  12. Você acha que não devia ter ido a Santana ontem, e eu que não devia ter lido seu blog hoje. Justamente hoje, no início da tarde, eu estava relendo cartas antigas e um caderninho que confeccionei no final do 3° ano do ensino médio, para que meus amigos todos assinassem e deixassem mensagens. De um total de 60 colegas daquela turma, só me resta uma amiga. Pensei muito nos atuais amigos e colegas da faculdade e me perguntei mais ou menos o mesmo que você. Até quando vai durar? Quantos deles permaneceram em minha vida? Coisas assim nos fazem sentir velhos, não importa a idade. No meu caso, me dá uma sensação de perda misturada á nostalgia…

  13. Ah, só uma curiosidade: fui conhecendo um monte de blogs (Gravataí, Jesus, falecomdeus, amarulla, etc…) um através do outro, onde noto que o número de acessos é gigante! Quem puxa quem, hein? ;P

  14. Putz…eu estudei no Marillac mais ou menos nessa época. Que que você fazia lá? Talvez eu lembre de você… (Não, provavelmente eu não lembrarei, não sei nem o que eu comi hoje cedo.)Falou…

  15. ixi rapaiz! nostalgia pura hein? e esses pensamentos melancolicos? te digo que a amizade nasce, mas as vezes nao cultivamos e ela morre (nossa que pessima essa), entao acho que se nao continuram e pq nao tinham que seguir seu rumo… te cuida!

  16. Meu, Santana é um dos bairros mais “paulistas” na minha opinião.
    Tem um ar de meio abandonado, mas é legal ir lá.
    Pra quem passa todo dia por lá (eu hahah)chega a ser tediante, mas ficar um tempo sem ir lá e depois voltar dá uma certa nostalgia, com certeza!

  17. Que merda Marco Aurélio…vc trabalhou no Marillac? Eu estudei o colegial lá…onde vc trabalhava ali? Deve ser por isso que eu olhava tuas fotos aqui e pensava: já vi esse cara em algum lugar….

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