Sobre humor, histeria, tristeza e palavras de baixo calão

— Ask me the secret of comedy.
— What is the secret of…
— Timing!

(Eric Idle, em seu livro Road To Mars)

Fazer humor (ou pelo menos tentar, que é o que eu faço) é chapinhar num terreno bastante perigoso. Você está no alto de um minarete. De um lado, o Abismo da Histeria, do outro, a Garganta do Ridículo. Lá embaixo, o Monstro da Tristeza, que foi o que o fez subir até aqui, pra começo de conversa. Qualquer passo em falso o fará escorregar ou para a histeria ou para o ridículo. Em ambos os casos, será devorado pela tristeza.
Falava sobre isso com a Fer no fim-de-semana, depois de assistirmos Kung Pow. Quem já viu o filme sabe: as cenas mais caras, aquelas que envolvem os efeitos especiais mais sofisticados, são justamente as que não têm graça alguma. O bebê lutando, depois aquela luta com a vaca, e a cena da língua no final: quem ri disso? Parece que Stevie Oedekerk, o idealizador, roteirista e diretor do filme, ficou inseguro com o que tinha nas mãos e resolveu enfiar umas cenas que sublinhassem que o filme é puro non sense. Não precisava: tais cenas parecem golpes de um desesperado, um palhaço que, com medo de que a audiência não ria das piadas de sempre, de repente bota o pau pra fora e o chacoalha para a platéia. É ridículo, é histérico. E, acima de tudo, é triste.
Ter a medida exata do humor deve ser a arte mais refinada que existe, e é por isso que eu cultuo Monty Python. É obrigação de qualquer um que pense em fazer humor (desde o despretensioso palhaço da turma, no estilo Chandler Bing, até o comediante profissional que ganha montes de dinheiro, como Matthew Perry) buscar o exemplo do sexteto britânico. Nada (ou quase nada) do que os Pythons fizeram saía da medida. Eles conseguiram, por anos, equilibrarem-se lá no alto do minarete (aliás, o que Eric Idle aprendeu no Monty Python serviu para que ele escrevesse Road To Mars, um ensaio primoroso sobre o humor e sua estreita relação com a melancolia).
Nessa conversa com a Fer, acabei me lembrando das coisas que escrevo aqui. Disse a ela que há gente que acha minha sátira bíblica engraçada por causa dos palavrões. Não acreditam? Pois vejam:

Uhauahauahuah!!!! Dá até gosto de ler passagem bíblicas com palavrões!!!! uuahauahuahauah!!!

Esse foi um comentário feito pela Eudora na minha versão do primeiro capítulo do livro de Rute (notaram as risadas histéricas? Coincidência?). E no último capítulo, um tal Phillipe comentou o seguinte:

Poha [sic], cade os palavroes? Isso aqui antigamente era mais engracado…

Muito bem: alguém pode me explicar o que há de tão engraçado num palavrão? Eu fui criado numa família baiana. Portanto, quando ainda bebê, as primeiras palavras que falei foram “mamãe”, “papai” e “porra”. Não escrevo palavrões para chocar, nem por achá-los engraçados: eles fazem parte do meu vocabulário cotidiano desde sempre. Tenho, porém, tentado maneirar nas palavras ditas “de baixo calão”, justamente para afugentar pessoas como o Phillipe, que dão risinhos nervosos sempre que lêem ou ouvem “caralho”, “puta que pariu”, “vai tomar no cu”, “boceta”, e outros menos cotados.
Oras, faça-me o favor, qual a graça? Os palavrões fazem parte do vocabulário humano há séculos, e eu aposto que até mesmo os grandes heróis bíblicos soltavam um “puta que pariu” nos dois momentos que justificam qualquer palavrão: a relação sexual e a topada com o dedão do pé. Lembro-me de pelo menos um exemplo: em I Samuel 20:30 (o próximo livro a passar por aqui, aliás) o rei Saul, irado com seu filho Jônatas, o chama de “Filho da perversa em rebeldia” (a Bíblia na Linguagem de Hoje traz “filho de uma mulher à toa”). Deve ser o exemplo mais antigo (Saul reinou de 1.065 a 1.025 a.C.) do sempre popular “filho da puta”.
Não estou dizendo que eu tenha a medida exata do humor (não tenho medida alguma, infelizmente), apenas que reconheço que o ideal é obtê-la, e me esforço para isso. De resto, uma dica para o Phillipe e outras pessoas cujo senso de humor alcança apenas a escatologia: conheçam Monty Python. Por favor.

41 comments

  1. puxa, me deu vontade de rever todos os filmes do monty. como eu amo!
    *
    ah, e lembro de uma professora de linguística da pós que dizia que em três situações a pessoa tende a falar na sua língua materna, não importa há quantos anos esteja em um país estrangeiro: na hora da topada com o dedão, quando está muito, muito doente, e na hora do orgasmo…

  2. ah, e mais uma coisa que eu acho: assim como tem gente que acha que a graça toda dos textos está nos “putas”, “caralhos” e tals, também pode ter certeza que, se vc não botasse (ui) esses palavrões, não choveriam mensagens do tipo “vai queimar no inferno” etc.
    beijo, MACO.

  3. o problema é que tem pouca coisa do Monty Python por aqui, não? A Vida de Brian e A Busca do cálice Sagrado… ou tem muito mais e eu estou perdendo?

  4. Mesmo que seja uma prática nossa muito antiga, falar palavrões publicamente era algo que tinha um ar de rebeldia, ainda mais quando ditas pela boca de uma mulher. De certa forma isso ainda quebra certas convenções. É assim que Dercy Gonçalves acabou virando um ícone nacional. Mas é um verdadeiro mistério, ao menos pra mim, como isso acabou virando sinônimo de humor.

  5. Olá…
    olha, eu nõa sei há quanto tempo não aprecio um bom trablaho aqui na net….
    vc superou essa expectativa..
    e tb nõa é o fato de jogar confetes em vc…. mas, tem um texto ótimo e realmente refinado….
    voce deveria ACREDITAR mais no seu potencial… qdo isso acontecer, voce vai ter um exito maravilhoso tenho absoluta certeza, mas tem que VOCE saber disso…. aliás, sobre os camelos, aqueles que eram utilizados pelos personagens qeu vc descreve em seus contos……..
    Filosofia do camelo
    Uma mãe e um bebê, camelos, estavam por ali, à toa,quando de repente o bebê camelo perguntou:
    – Por que os camelos têm corcovas?
    – Bem, meu filhinho, nós somos animais do deserto, precisamos das corcovas para reservar água e por isso mesmo somos conhecidos por sobreviver sem água.
    – Certo, e por que nossas pernas são longas e nossas patas arredondadas?
    – Filho, certamente elas são assim para permitir caminhar no deserto. Sabe, com essas pernas eu posso me movimentar melhor pelo deserto melhor do que qualquer um! – disse a mãe.
    – Certo! Então, por que nossos cílios são tão longos? De vez em quando eles atrapalham minha visão.
    – Meu filho! Esses cílios longos e grossos são como uma capa protetora para os olhos. Eles ajudam na proteção dos seus olhos quando atingidos pela areia e pelo vento do deserto! – respondeu a mãe com orgulho.
    – Tá. Então a corcova é para armazenar água enquanto cruzamos o deserto, as pernas para caminhar através do deserto e os cílios são para poteger meus olhos do deserto. Então o que é que estamos fazendo aqui no Zoológico???
    Moral da história:
    “Habilidade, conhecimento, capacidade e experiências, só são úteis se você estiver no lugar certo!”
    Onde você está agora?
    ……. rapaz…. aproveita que está meio que desempregado e vai atrás de publicar o que escreve… uma boa editora com certeza terá prazer em te receber… se organize e vá a luta…. será reconhecido com certeza… mas VOCE tem que querer…. NÓS *só* te apoiamos……

  6. O palavrão não tem nada de engraçado, mas de repressão e numa visão de estudiosos marxistas sobre linguagem, ele é uma espécie de agressão das classes menos favorecidas à elite. Em países em que o sexo era forma de repressão, os palavrões, em sua maioria, são ligados a isso. Vide EUA e o Brasil. Talvez por isso provoquem o riso ao estarem inseridos numa sátira da Bíblia, usada por séculos para repressão, de forma errada, mas não vou entrar nisso. (Yes!uma oportunidade de usar algo que estudei na faculdade. Isso me emociona.)
    Quanto ao humor, não posso dizer nada, parafraseando Ana C, não sei ser engraçada, a crueldade é o meu diadema.

  7. é muito dificil ser interpretado da maneira que a gnt quer…num fique chateado…talvez com esse seu esclarecimento as coisas mudem. Mas, mesmo que não mudem, deixe pra lá… tem gente que pensa muito diferente e deturpa mesmo as coisas…
    Mas parabens pela sua argumentação, post bonito de ser lido.
    quando vou ter a honra de recebe-lo no meu blog???
    beijinhos

  8. Outra boa do Oedekerk são as paródias de filmes usando dedões (“Thumb Wars”, “Thumbtanic”, “BatThumb”, et al). Muito cretinos, mas engraçados.
    E ontem eu assisti três fitas consecutivas da coleção do Monty Python’s Flying Circus, que o meu colega de quarto tem… quando você vê que ótimo humor eles faziam com recursos tão esparsos (comparados com os que alguns sitcoms morbidamente não-engraçados recebem), é impossível não reverenciar os Pythons.

  9. Eu gosto muito do modo “intimo” com que deus fala com os personagens e vice versa. Tendo palavroes ou nao, a coisa fica parecida com uma conversa de bar. Inclusive pelo uso do apelido (Javé) ao invez do nome em si. E, as vezes um palavrao é vital pra dar expressividade à cena e sim, mesmo nao sendo os astros da piada, eles sao engracados quando usados no momento certo.

  10. Visualiza, Marco: O padre indo entregaro corpo (ui) de Cristo aos fiéis, tropeçando no coroinha, caindo de boca no pé da estátua de Nossa Senhora e soltando um “FILHO DA PUTA!!”. Não tem nada mais engraçado. Mas, ah, claro, ver humor num palavrão sem contexto é coisa de cretino. Humpf.

  11. A grande força do palavrão está no seu não uso. Tipo, uma coisa sou eu falar um “merda”, pois eu falo isso 453 vezes por dia, ninguém dá bola, outra coisa é minha vó (ou qualquer outra pessoa) falar um “merda”, sabendo que ela fala isso umas duas, três vezes por ano… É claro que o “merda” dela será muito mais significativo que o meu! Daí que palavrões em um lugar que supostamente não deveria existir palavrões chamam tanto a atenção… e conseguem até soar um bocado engraçado, mas depois que vc se acostuma com o estilo da linguagem, perde muito da sua graça…

  12. Adoro ler a bíblia segundo Marco Aurélio, fico sempre na escuta, aguardando os próximos capítulos…tua criatividade e humor são surpreendentes. Digno de ser publicado! Um beijo, Marco.

  13. O povo brasileiro é extremamente familiarizado com palavrões. Porém a mais curiosa aplicação dele é no tratamento de pessoas amadas, ou seja, quanto mais amigo, mais filho da puta é a pessoa.

  14. O povo brasileiro é extremamente familiarizado com palavrões. Porém a mais curiosa aplicação deles é no tratamento de pessoas amadas, ou seja, quanto mais amigo, mais filho da puta é a pessoa.

  15. Marco, partilho da tua tristeza (irritação? frustração?) em ter seus tão elaborados textos serem valorizados apenas pelo que contêm de palavrões.
    .
    Mas, liga não. Por trás dos palavrões, dá para perceber bastante imaginação, personalidade, irreverência e ironia (minha forma preferida de humor).

  16. Monty Python é muito foda. Ganhei um filme deles de presente da minha namorada. Ou seja, é claro que ela me ama… 😉
    Falando dos palavrões, talvez esse tipo de gente sirva de resposta a quem pergunta sobre quais seriam as pessoas que admiram Dercy Gonçalves.
    Eles querem seu lado Dercy, Marco! Além do quê, você vive mostrando os peitcho…

  17. Cara, legal esse post viu! Apesar do clima triste… As coisas são assim mesmo… uma mesma frase tem significados diferentes de acordo com a orelha de cada um. Vc não pode exigir de vc nem de seus leitores que eles te compreendam perfeitamente. O ruido é algo com que temos que lidar sempre! Ainda mais no humor “não retardado” (Zorra total) que exige que o receptor seja minimamente ativo…
    Keep walking… e Abraços!
    Rapha.

  18. Seguinte, careca !
    Para de frescura e de querer ser Jesus ! Porque até Ele passou longe de se fazer entender ou agradar (pelo contratio) a maioria !
    O humor dos seus textos está no aspecto humano que você dá aos personagens, monstrando ao leitor que tem ao menos um pingo de inteligência que esses santos personagens não eram nada mais e nem menos do que eu ou você somos.
    A divergência entre o seu texto e biblia em mostrar esse ponto faz o humor dele, palavrões e gírias são somente as ferramentas para mostrar isso.
    Agora, oras bolas, querer que a maioria dos leitores do texto enxergem logo isso é querer demais.
    Então se contenta com isso que eu falei e volte a escrever os capitulos pois já se vão dias e dias sem uma única linha.
    E mais uma vez, PARA DE FRESCURA !!

  19. Pois eu ri, e muito, com o filme Kung Pow (especialmente nas cenas que você mencionou, em particular a da Mootrix), já que eu sou fã confessa de filmes coreanos/chineses de luta, idos de 70 a 80. Assim como também me maravilhei com Kill Bill, mas isso é outra estória.
    E eu amo Monty P. do fundo do meu coração, estou ensaiando pra comprar o box deles a tempos.
    Mas odeio Jim Carrey, por exemplo, justamente por ele ser na atualidade o representante maior do “humor histérico”, como você disse.
    E sobre os palavrões, putaquepariu, tenho um ódio fodido dos merdas que falam um caralho a cada quatro palavras. Pronto, falei!

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