Mica e o arranca-rabo com os danitas

(Juízes 18)

— Arranca-rabo com QUEM???
Danitas. Daquela minissérie, Presença Danita.
— ¬¬
Hehehe. Tá. Danitas eram os caras da tribo de Dã.
— Ah…

Israel andava mesmo uma zona naquela época. Para vocês terem uma idéia, a tribo de Dã ainda não tinha um território bem definido, isso décadas depois da divisão das terras. Moravam nas cidades de Zora e Estaol, porém em condições precárias e sob a constante ameaça dos filisteus. Cansados dessa vida de insegurança, os danitas escolheram cinco homens corajosos dentre as famílias da tribo, e os enviaram para que procurassem uma terra onde a tribo de Dã pudesse enfim estabelecer-se. Eles saíram pelo caminho e pararam nas montanhas de Efraim, para passarem a noite. Mica, querendo adeptos para sua nova religião, não hesitou em oferecer sua hospitalidade aos forasteiros. Os danitas aceitaram o convite e ficaram hospedados lá. Notaram o sotaque do levita e logo começaram a perguntar:
— Ô maluco, cê tem sotaque de Judá. O que tá fazendo por aqui? Quem te trouxe?
— Ah, eu fiz um trato com Mica: ele me paga para ser o sacerdote dele.
— Hum… Então, sacerdote, pergunta pra Deus aí se vai dar tudo certo na nossa viagem.
— Perguntar, é? Pra Deus, é? Er… Ah, sim, sim! Estou ouvindo! ESTOU OUVINDO! Hein?… Peraí, Senhor, a ligação tá ruim… Túnel?… Ah, tá bom… Melhorou… Tá, eu falo pra eles… Ó, Deus falou que vai dar tudo certo com vocês.
— Cê tá de sacanagem…
— QUEISSO? Eu sou é sacerdote, tão me ouvindo? Falo com o Hômi a qualquer hora que quiser!
— Hum. Veremos.
No dia seguinte os cinco homens continuaram sua viagem, e foram parar em Laís, uma cidade no extremo norte de Canaã. Era um povoado tranqüilo. Seus habitantes eram sidônios (um subgrupo fenício), mas a cidade era longe de Sidom. Viviam assim isolados e eram pacíficos. A terra era boa e eles tinham tudo o que precisavam. Coisa linda, não? Pois os espiões danitas também acharam: voltaram correndo para Zora e Estaol para contarem sobre sua descoberta:
— Vamos atacar! Nós encontramos um lugar perfeito: terra boa, grande, um povinho sossegado. Vai ser moleza. Bora atacar!
Então seiscentos homens saíram das duas cidades em direção a Laís. Na primeira noite, acamparam a oeste de Quiriate-Jearim, em Judá, num lugar que passou a se chamar Maané-Dã. Não, não tinha nenhum Mané na história. Maané-Dã significa Campo de Dã em hebraico. Saíram de Maané-Dã na manhã seguinte, e à noite passaram pelas montanhas efraimitas, chegando à casa de Mica. Os espiões, que já haviam passado por ali antes, começaram a comentar:
— Mora um cara esquisito ali naquela casa. Ele fundou uma religião que só tem ele mesmo e o sacerdote como seguidores. Tem um ídolo de prata grandão, outros ídolos menores, uma roupa de sacerdote toda cheia de coisinhas. Que que a gente faz com ele?
— PAU NA BUNDA DEEEEEEEEEE-LE!
— Nah. Esperem aí, vamos cumprimentar o cara.
Os cinco entraram e foram bem recebidos por Mica, sempre muito cordial. Enquanto dois deles tomavam um cafezinho e distraíam o dono da casa, os outros entraram na capela e pegaram o ídolo. O levita estava na porta, sem entender a presença daqueles seiscentos homens preparados para a guerra, quando viu os homens que haviam se hospedado ali poucos dias antes saindo da capela com o ídolo nas mãos.
— Ô! Que cês tão fazendo???
— Shhhh… QUIETO! Não fale nada. Venha com a gente, seja nosso sacerdote e conselheiro.
— ESTÃO LOUCOS??? EU SOU SACERDOTE DE MICA, TÃO ME OUVINDO? DE MI…
— Melhor ser sacerdote de uma tribo inteira do que de um homem só…
— Hum… É, agora cê falou uma verdade… Bah, foda-se, vou com vocês! Vai ser um belo upgrade na minha carreira. Com esse aumento de target agora eu vou poder dar um improve nos meus skills de sacerdote e…
— HEIN??? Ai, caralho, fala direito! Pega lá seus panos de bunda e vambora, que ainda temos uma cidade a conquistar.
O sacerdote entrou em casa, pegou suas coisas e os objetos da capela, e partiu junto com os danitas. Já estavam longe quando ouviram um grito atrás deles. Era Mica, emputecido, que vinha acompanhado de seus vizinhos. Mica, lembremo-nos, era efraimita. Noutros tempos, seria temido só por isso. Porém, depois que Jefté derrotou sua tribo (a história do chibolete, lembram?), os efraimitas ficaram desmoralizados. Por isso, os danitas nem se preocuparam quando viram sua aproximação.
— O que é que há, Mica? Pra que toda essa gente aê?
— O que é que há? O QUE É QUE HÁ??? E VOCÊS AINDA PERGUNTAM??? VOCÊS ENTRARAM NA MINHA CASA, ROUBARAM OS DEUSES QUE EU MESMO FIZ, LEVARAM EMBORA MEU SACERDOTE, E AINDA PERGUNTAM O QUE É QUE HÁ? NÃO SABEM QUE MINHA RELIGIÃO É TUDO O QUE EU TENHO NA VIDA? NÃO SABEM Q…
— Olha, melhor cê parar de gritar. Aliás, cala a boca e vai embora. A gente pode ficar bravo e, sei lá, matar você e sua família.
Numa demonstração final de falta de respeito, os soldados viraram as costas para os outrora temidos efraimitas e prosseguiram sua viagem como se nada houvesse acontecido. Quanto a Mica, podia ter umas manias estranhas mas não era burro: os danitas eram muitos, e bem mais fortes. Então deu meia-volta e retornou, derrotado, para sua casa.
Os homens de Dã continuaram sua viagem, agora acompanhados de meia dúzia de deuses e de um sacerdote. Chegaram a Laís e atacaram de surpresa aquele povo tranqüilo, pacífico e isolado do mundo. Não tiveram dificuldade nenhuma em tomar e destruir a cidade. Terminada a conquista, reconstruíram Laís e mudaram seu nome para Dã (Laís era melhor, convenhamos).
A esta altura do capítulo, é dito que Jônatas, filho de Gérson e neto de Manassés, foi feito sacerdote de Dã, e que seus filhos herdaram o sacerdócio. Seria Jônatas o tal levita ex-sacerdote de Mica? Não fica claro: mais uma informação bíblica que não informa nada. O negócio é que o ídolo feito por Mica foi adorado na cidade de Dã por muitos anos, e os descendentes de Jônatas foram seus sacerdotes até que o povo de Israel foi levado para o exílio. Mas essa história ainda está bem longe.

8 comments

  1. Que história mais doida!
    As festas da religião do Mica (porque todas as religiões têm suas festas), alias, deveriam se chamar “Micarê”.

  2. Era uma época maneira, né não?
    Neguinho ganhava no grito, idolatrava ídolos, trocavam de camisa, matavam por nada; mas eram corajosos,conquistavam seu espaço e temiam a Deus. E se o Salvador voltasse hoje? Pra vc que se amarra, leia a história do Rei Davi que se envolveu com a esposa do soldado, é divina! Ele manda matar o cara e assume o filho que ela esperava(dele mesmo) e é tido como herói(!) Os séculos passam mas a natureza humana…. blergh!
    Kiss, Cris

  3. Cara, fiquei encantado com seu estilo (procurei seu nome na página, não consehui achar). A meu ver, você escolheu excelente seara para descer a pua com talento para escrever, e com inteligência. Espero que não se chateie por eu fazer uma pequena crítica: a linguagem um tanto ou quanto chula, cá e lá; refiro-me na verdade aos palavrões.
    Creio que, pelo que avaliei, você não precisa deles. Pode fazer, como fez no seu texto, um trabalho literário e especulativo dos melhores. Se você vai aproveitar minha observação, será por sua conta, claro.
    Quero lhe deixar, portanto, meus parabéns. Aliás, fiquei curioso sobre se você tem ideia, se é que já não a põe em prática, de desenvolver textos como estes, dentro das histórias bíblicas, para uma compilação futura, que pudesse ser editada e publicada. Caramba! Seria um show de bola! Num linguagem ‘descontraído’ e ‘despojado’, as histórias do povo de Deus!!!!! Caralho!(eheheheheh!) Seria demais! Mas vê lá, acho que a pornografia desmerece o bom escritor.
    UM GRANDE ABRAÇO de seu admirador instantâneo.

  4. Comentário acima quase perfeito!
    Tava indo tudo bem até colocar o “Cara de alho” na penúltima linha.
    As coisas de Deus são santas e merecem reverência e temor!
    A sua linha de comunicação é fantástica e com certeza muitas vidas serão edificadas, mas não abra mão do respeito pelo que é santo.
    Abx

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