Mica e seus ídolos

(Juízes 17)

Havia na região montanhosa de Efraim um homem chamado Mica. Ele tinha muitos ídolos, e espalhava pôsters pelas paredes do quarto: Engenheiros do Hawaii, Charlie Brown Jr., Jota Quest…

Nah, né nada disso.

Sansão foi o vigésimo e último dos juízes de Israel. Foi o penúltimo, na verdade, o último foi Samuel. Trataremos disso mais tarde, porém. O negócio é que o livro dos Juízes poderia muito bem acabar no décimo-sexto capítulo, mas não! Continua por mais cinco longos capítulos, que só servem para ilustrar a zona em que Israel se tornou no período entre a morte de Sansão e o surgimento de Samuel e posterior instauração da monarquia.
Neste capítulo, por exemplo, ficamos conhecendo Mica, um habitante da região montanhosa de Efraim. Isso aí era verdade, o lance de os ídolos dele serem tão ruins é que foi sacanagem minha. O que aconteceu de verdade é que tinham roubado da mãe de Mica mil e cem moedas de prata — o equivalente a doze quilos e meio — e ela, é claro, amaldiçoara o gatuno de todas as formas. Tempos depois, meio ressabiado, Mica foi falar com ela:
— Mãe…
— Diga, Mica.
— Lembra de quando roubaram suas moedas?
— ARGH! Como é que eu ia esquecer?
— Hum. E lembra que a senhora amaldiçoou o ladrão de tudo quanto é jeito?
— Claro. E só queria ter um vocabulário melhor, pra poder amaldiçoar mais ainda o filho da puta.
— Er… Então… O negócio é que… Olha, mãe. Não vá ficar brava, tá?
— Mas que que te deu, moleque? Desembucha logo!
— Tá. Seguinte: as moedas estão comigo. Eu que roubei.
— Estão com você??? Ah, que Javé te abençoe, meu filho!
Surpreso com a boa reação da mãe, Mica tratou logo de devolver-lhe as moedas. Ela, feliz pela restituição, deu um toque para o filho:
— Mica, cê sabe que praga de mãe pega que é uma beleza, né?
— Sei mãe, sei. Aliás, tô preocupado com isso.
— Pois não fique, já pensei em tudo: vou oferecer essa prata a Javé, para que ele o proteja.
— Puxa vida, mãe… Obrigado.
— Queisso, filho. Bobagem. Vou oferecer a prata, e ela será usada para fazer um ídolo de madeira, folheado a prata. Toma as moedas, pode fazer o ídolo.
— Er… Sei não, mãe. Não quero mais ficar com essas moedas. Pode ficar com elas, faça o que quiser. São suas, no fim das contas.
Então sua mãe pegou duzentas das moedas e entregou-as a um ourives, o qual preparou o ídolo de madeira folheado a prata.
— PERAÍ! PÁRA TUDO!
Pois não?
— QUE HISTÓRIA É ESSA DE ÍDOLO DE MADEIRA FOLHEADO A PRATA???
Oras. É uma imagem esculpida em madeira, e depois folheada com…
— EU SEI, EU SEI! MAS E O SEGUNDO MANDAMENTO???
Er… Hã?
— O SEGUNDO MANDAMENTO, PORRA! “NÃO FARÁS IMAGENS DE ESCULTURA PARA ADORAR” E BLABLABLÁ!
Ah, esse mandamento. Então, isso é pra vocês verem a zona que Israel tinha virado: cada um fazia o que bem entendia, seguia a religião (qualquer que fosse) à sua maneira. Aquilo parecia o Brasil. Mica, por exemplo, ao ver o ídolo que sua mãe mandara fazer, decidiu fundar sua própria religião: construiu uma capela, esculpiu outros ídolos, fez uma roupa de sacerdote e escolheu um de seus filhos para o cargo. O moleque, no entanto, não levava a sério os ritos da nova religião, mesmo porque uma religião de dois seguidores é mesmo um pouco ridícula.
Mica já estava quase desistindo de sua nova religião (o Miquismo, talvez? Tá, esquece), quando encontrou um viajante. Este vinha da cidade de Belém (aquela!), em Judá, e era levita. Os levitas, caso vocês não se lembrem, eram consagrados ao serviço de Javé, por isso não tinham um território definido em Israel, estando espalhados pelas doze tribos. Bom, esse levita ia passando, e Mica foi falar com ele.
— E aê, rapá.
— Aê.
— De onde cê tá vindo?
— De Belém, em Judá. Sou levita, estou procurando um lugar para morar.
— Cê levita, é?
— Ai, meu saco… Eu disse que SOU levita! Da tribo de Levi!
— Ah, sim. E tá procurando onde morar, é?
— Pois é.
— Hum. Vocês, levitas, manjam desse negócio todo de rituais, rezas, sacrifícios, leis, a presepada toda, né?
— Isso mesmo.
— Sei, sei… Então, seu levita, eu acabo de fundar uma religião aí, mas não tá dando muito certo. Acho que eu precisava de uma assessoria, umas estratégias de marketing, essas coisas. Será que você pod…
— PODE PARAR! EU SOU LEVITA, TÁ ME OUVINDO? SOU CONSAGRADO AO SERVIÇO DE JAVÉ! DE JAVÉ, SÓ DELE, DE MAIS NINGUÉM!
— Mas… Mas eu te pago dez moedas de prata por ano.
— DE MAIS NING… Quantas?
— Dez. Cento e quinze gramas.
— Hum… Qual o nome dessa religião aí?
— Não tem nome ainda. Como meu nome é Mica, estava pensando em chamar de Miquismo.
— MIQUISMO??? Putz, cê tá precisando mesmo de assessoria… Beleza, eu topo.
— Legal!
Então o filho de Mica foi destituído do cargo, e o levita foi empossado como sacerdote. Ele ficou morando na casa de Mica, e oficiava todos os dias na capela. Mica, finalmente, ficou tranqüilo: com um levita como sacerdote, de jeito nenhum Javé deixaria que as pragas de sua mãe caíssem sobre ele.

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