Sansão e Dalila

(Juízes 16:4-20)

Mon coeur s’ouvre à ta voix
comme s’ouvrent les fleurs
Aux baisers de l’aurore
Mais, o mon bien-aime,
pour mieux secher mes pleurs
Que ta voix parle encore
Dis-moi qu’a Dalila tu reviens pour jamais
Redis a ma tendresse
Les serments d’autrefois
Ces serments que j’aimais

Ah, reponds a ma tendresse
Verse-moi, verse-moi l’ivresse
Reponds a ma tendresse

Samson, Samson, je t’aime…..

(Mon coeur s’ouvre à ta voix, ária da ópera Sansão & Dalila, de Camille Saint-Saëns)

Sansão permanecia invencível, e os filisteus torravam os miolos em busca de alguma forma de pegá-lo. E a oportunidade se lhes apresentou quando Sansão apaixonou-se por uma moça chamada Dalila, moradora do vale de Soreque. Todo mundo sabe que um homem apaixonado é um homem fraco: fica bobo, faz as vontades da mulher. Os amigos alertam, os pais aconselham, mas nada adianta: cegado por um sentimento, mesmo o mais forte dos homens se deixa guiar pela mulher. E isso não é de hoje, claro: os filisteus sabiam que, apaixonado, Sansão oferecia a eles uma possibilidade de ataque. Assim, os governadores das cinco cidades da Filistia foram juntos falar com Dalila:
— Ô, Dalila, o negócio é o seguinte: se você descobrir um jeito de prendermos o Sansão, cada um de nós dará a você mil e cem moedas de prata.
Dalila, com os olhinhos brilhando pela expectativa de ganhar todo esse dinheiro (somando tudo, ela teria cerca de 63 quilos de prata), aceitou a proposta dos governadores filisteus e foi falar com Sansão:
— Sansinho…
— Oi, Lila…
— Você é tão forte, né, Sansinho?
— Sou, né? Olha o muque. Aperta. Viu? Pode se pendurar no meu braço, ó. Viu? Viu?
— Puxa, você é muito, muito forte.
— E você é muito, muito linda… Vem cá…
— Não, agora não. Antes me diga: se alguém por acaso quisesse amarrar você e deixá-lo sem defesa, o que precisaria fazer?
— Pra que cê quer saber isso, Lila?
— Só curiosidade, oras…
— Sei…
— Não confia em mim, Sansinho?
— Deveria?
— …
— Tá bom, Lila, eu te conto meu segredo: se me amarrarem com sete cordas de arco, novas, que ainda não secaram, eu perco minha força.
— Ah. Que coisa. Er… Vou ali, Sansinho, já volto.
— Vai aonde?
— Confia na sua Lila…
— Tá bom…
Dalila foi falar com os governadores filisteus, que lhe deram as sete cordas de arco. Voltou para casa com as cordas e acompanhada de alguns filisteus, os quais deixou escondidos num quarto enquanto ia falar com Sansão:
— Olha o que eu trouxe, Sansinho!
— Que é isso?
— Ué. Sete cordas de arco. Novas. Ainda úmidas.
— E para quê…?
— Curiosidade, oras. Quero ver se você fica fraco mesmo.
— Pára com isso, Dalila.
— Ah, Sansinho, vai… Deixa a Lila te amarrar, deixa…Juro que vai ser bom.
— Hmmmm… Tá bom, vai.
— Eba! Ó, vou amarrar seus pulsos assim… Suas pernas… Agora aqui… Pronto!
— Ai. Estou fraco. Cuida de mim, Lila.
— SANSÃO! OS FILISTEUS ESTÃO VINDO!
O grito era a senha para que os homens saíssem de seu esconderijo e caíssem sobre Sansão. Mas ele, que estivera apenas fingindo, levantou-se e arrebentou as cordas com a maior facilidade.
— POIS QUE VENHAM!
— Ué! Você não estava fraco???
— Claro que não, oras. Você acha mesmo que eu ia contar o segredo da minha força a você?
— Puxa, Sansinho… Me fazendo de idiota…
— Por favor, Lila, não é nada disso!
— Claro que é! Achei que houvesse confiança entre nós, mas me enganei. Nosso relacionamento está muito desgastado, Sansão. Precisamos conversar, discutir a…
— NÃO! DISCUTIR A RELAÇÃO, NÃO! EU TE CONTO MEU SEGREDO, QUALQUER COISA MENOS DISCUTIR A RELAÇÃO!
— Então conta…
— O negócio das cordas era quase verdade. É que com cordas de arco, essas feitas de vime, não ia funcionar mesmo. Agora, se me amarrarem com cordas novas, que nunca tenham sido usadas, eu viro um fracote.
— Sei… Posso testar?
— Claro!
Então Dalila o amarrou com as sete cordas, e depois gritou novamente:
— SANSÃO! OS FILISTEUS ESTÃO CHEGANDO!
— Estão, é? Legal, vou me divertir! — e arrebentou as cordas.
— Você me odeia.
— Hã?
— VOCÊ ME ODEIA! Me enganou de novo!
— Ah, minha menina, não fica assim não… Eu te conto meu segredo.
— De verdade?
— De verdade.
Mesmo querendo divertir-se às custas de Dalila, e pretendendo jamais revelar-lhe o segredo de sua força, Sansão começava a ficar meio bobo com aquele olhar lacrimejante da mulher, aqueles lábios trêmulos. Ah, os homens! E assim, abobalhado, começou a se aproximar de seu verdadeiro segredo:
— Dalila, se você tecer as minhas sete tranças num tear, e depois disso prendê-las com uma estaca, eu ficarei fraco.
— Mentira.
— Verdade!
— Muito absurdo, isso!
— Então tá.
Dalila não engoliu aquela história, então ficou por isso mesmo. Porém, para acabar com qualquer dúvida, levou Sansão para a cama. E Sansão, como todo homem, caiu no sono logo depois do sexo. Aproveitando que ele dormia, Dalila teceu suas sete tranças — um herói meio Rapunzel, esse Sansão —, e as prendeu com uma estaca. E depois:
— SANSÃO! OS FILISTEUS ESTÃO CHEGANDO!
— Hein? Hã? Hum? Bah, que porra é essa? — arrancou a estaca — Cadê os desgraçados?
— Sansão, Sansão… Você não me ama mesmo. Puxa vida. Eu te amo tanto, tanto, e você só se diverte às minhas custas. Já é a terceira vez que você me faz de boba. Estou muito chateada com você.
Dalila ficou nesse blablablá durante dias. Pior: fez greve de sexo. Sansão, que nunca se destacara pela paciência, acabou cansando da lenga-lenga diária e resolveu contar a Dalila a verdade sobre sua força incomum:
— Ainda antes de nascer, fui consagrado a Deus como nazireu, por isso meu cabelo nunca foi cortado. Se cortarem meu cabelo, ficarei fraco, e serei apenas um homem comum.
Dalila ia protestar, dizer que era outra história absurda. Mas viu nos olhos de Sansão que dessa vez ele estava contando a verdade, então mandou um recado aos governadores filisteus, pedindo que enviassem rápido homens para o prenderem. Os homens chegaram e ficaram escondidos no mesmo quarto de antes. Enquanto eles esperavam, Dalila deitou Sansão em seu colo:
— Ah, meu querido! Agora eu sei que você confia em mim de verdade. Obrigada! Obrigada!
Enquanto falava com voz suave, fazia cafuné em seus longos cabelos. Ele dormiu, e ela chamou um dos homens para que lhe cortasse as tranças. Quando Sansão acordou, Dalila começou a provocá-lo, mas ele parecia mesmo ter perdido sua força. Então, para testar, gritou outra vez:
— SANSÃO! OS FILISTEUS ESTÃO CHEGANDO!
Dessa vez os filisteus apareceram mesmo, saídos do quarto ao lado. Sansão nem se abalou: “Pois que venham, eu me livro deles como sempre fiz”.
Será? Veremos.

Sansão e Dalila, de Rubens — National Art Gallery, Londres

29 comments

  1. É um ganso mesmo !!
    Puta cara burro !!
    Nunca me conformei com essa estória (é com “e” mesmo porque só pode ser balela) tem que ser muito muito burro pra cair assim tão fácil !

  2. Concordo com você, Zen. Marco, mal posso esperar para ler o restante da história. Você sempre deixa eu me mordendo de curiosidade, esperando o próximo capítulo. Adoro seus textos! Beijão!!! 🙂

  3. Realmente, mulher é bicho tinhoso. Desde Eva (Tá lá no Gênese, segundo Marco Aurélio) que uma saia (ou a falta dela) gera neurônios falhos. Mais ainda não chegou no pedçao que a casa cai pros filisteus… Tô aguardando…

  4. Porra, Marco! Na melhor hora o negócio pára! Eu aqui, toda tensa, envolvida com a história (que por sinal eu não conheço, aliás, não conheço nada da Bíblia), e vc me faz um corte desses… Vc deveria fazer novela na Globo, pois sabe prender um espectador 🙂

  5. Puta! Que mina vaca e que cara babaca…..onde tava o YMCA nessa hora? Digo, Javé……
    Nossa…….esses capítulos tão muito legais mesmo!!

  6. Marco:
    Seu talento para contar uma história é impressionante. Você consegue tornar a narrativa interessante, mesmo quando o original não é lá essas coisas, e isso é um dom que você tem. Parabéns, continue escrevendo, com certeza você tem muito mais fãs do que imagina.

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