O medo

Em verdade temos medo.
Nascemos escuro.
As existências são poucas:
Carteiro, ditador, soldado.
Nosso destino, incompleto.
E fomos educados para o medo.
Cheiramos flores de medo.
Vestimos panos de medo.
De medo, vermelhos rios
vadeamos.
Somos apenas uns homens
e a natureza traiu-nops.
Há as árvores, as fábricas,
doenças galopantes, fomes.
Refugiamo-nos no amor,
este célebre sentimento,
e o amor faltou: chovia,
ventava, fazia frio em São Paulo.
Fazia frio em São Paulo…
Nevava.
O medo, com sua capa,
nos dissimula e nos berça.
Fiquei com medo de ti,
meu companheiro moreno.
De nós, de vós; e de tudo.
Estou com medo da honra.
Assim nos criam burgueses.
Nosso caminho: traçado.
Por que morrer em conjunto?
E se todos nós vivêssemos?
Vem, harmonia do medo,
vem, ó terror das estradas,
susto na noite, receio
de águas poluídas. Muletas
do homem só. Ajudai-nos,
lentos poderes do láudano.
Até a canção medrosa
se parte, se transe e cala-se
Faremos casas de medo,
duros tijosolo de medo,
medrosos caules, repuxos,
ruas só de medo e calma.
E com asas de prudência,
com resplendores covardes,
atingiremos o cimo
de nossa cauta subida.
O medo, com sua física,
tanto produz: carcereiros,
edifícios, escritores,
este poema; outras vidas.
Tenhamos o maior pavor.
Os mais velhos compreendem.
O medo cristalizou-os.
Estátuas sábias, adeus.
Adeus: vamos para a frente,
recuando de olhos acesos.
Nossos filhos tão felizes…
Fiéis herdeiros do medo,
eles povoam a cidade.
Depois da cidade, o mundo.
Depois do mundo, as estrelas,
dançando o baile do medo.
(Carlos Dummond de Andrade)

6 comments

  1. Drummond por Drummond, leia “Lagoa”.
    Se quiser, te passo. Está no Alguma Poesia.
    É preciso aprender a procurar a felicidade no que se conhece, dentro de si; não no misterioso.
    Beijo…
    Fica melhor, viu?

  2. Ah, moço, não tenho palavras. Nunca há muitas palavras pra ocasiões assim. Mas erga a cabeça e continue. O coração cicatriza daqui a pouco e fica pronto pra outra. Sempre assim.
    Fica bem…

  3. “Todo mundo é capaz de dominar uma dor, exceto quem a sente.”
    (Willian Shakespeare)
    eu sei como vc se sente, mas, eventualmente vc se acostuma com a dor, e o tempo vai passando até q ela se torne cada vez menor…

  4. Eu gosto mais de outra poesia. Uma que foi transformada em samba, que é uma bênção. Tenho especial carinhi pela parte que diz:
    É melhor ser alegre que ser triste,
    A alegria é melhor coisa que existe
    É assim como a luz no coração.
    Passa por cima disso, Marco.
    Cê é maior que essas coisas, na boa.
    Força, meu camarada.

  5. Nestes momentos nossa própria fragilidade nos expõe. Palavras amigas são bem vindas. Sempre bem vindas. Ombros e gestos carinhosos nos acalmam. Um pouco. Por alguns momentos. Mas, mesmo assim, eles são preciosos para este que carregamos no peito. Que justamente nestes momentos bate mais apertado, mais angustiado, mais dolorido.
    Sim, o medo passa, as feridas cicatrizam, porque somos teimosos o suficiente para nos deixamos levar pela esperança, sempre elas, de dias melhores.
    Fique bem.

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