Abimeleque

(Juízes 9:1-21)

Abimeleque, como eu disse no último capítulo, era filho de Gideão com sua amante de Siquém. A fama de seu pai era imensa, mas era difícil para ele aproveitar-se disso: era apenas um filho bastardo tendo que concorrer com setenta filhos legítimos. No entanto, ele era esperto e não tinha medo de nada. Então, depois que Gideão morreu, Abimeleque começou a conspirar com seus parentes:
— Olha, eu tenho uma idéia muito boa. Vocês vão sair pela cidade, assim como quem não quer nada, perguntando a todo mundo: “É melhor ser governado por setenta filhos de Gideão ou por um só homem de sua própria terra?”.
Seus parentes gostaram da idéia, e saíram botando essa pulga atrás da orelha de cada habitante da cidade. A insegurança causada pela perspectiva de ter setenta irmãos disputando o poder, aliada ao bairrismo fez com que os homens de Siquém decidissem seguir Abimeleque. Deram a ele oitocentos gramas de prata (retirados do templo de Baal-Berite, o deus da moda então). Com a prata, Abimeleque contratou meia dúzia de vagabundos como capangas e foi para Ofra, terra de seu pai. Lá chegando, tratou de botar em prática a segunda parte de seu plano para tomar o poder, matando seus setenta irmãos sobre uma pedra. Bonzinho, né? Apenas Jotão, o caçula, conseguiu esconder-se, fugindo assim ao massacre.
Quando perceberam que Abimeleque não estava para brincadeira, os homens de Siquém acharam melhor não arriscar: reuniram-se com os homens de Bete-Milo e coroaram Abimeleque rei das duas cidades. Ao saber disso, Jotão ficou muito puto e subiu até o alto do monte Gerizim, de onde falou para eles, aos berros:
— Ô, seus filhos da puta! Escutem o que eu tenho a falar, prestem atenção, e Javé ouvirá vocês.
— Javé? Que Javé???
— Bah! Prestem atenção na história que eu vou contar. Aham… Uma vez as árvores resolveram que queriam ter um rei. Então…
— Peraí… As ÁRVORES resolveram que queriam um REI? Ah, Jotão, vai enganar outro!— Não, porra! É só uma PARÁBOLA!
— Er… Hein?
— BAH! Deixa eu terminar, cês vão entender no final. Então, as árvores resolveram escolher um rei. Logo de cara foram falar com a Oliveira, mas ela desdenhou o convite: “Governar vocês? Mas para isso eu ia ter que deixar de fornecer meu azeite, que honra aos homens e aos deuses, e dedicar todo o meu tempo a vocês. Nah, falem com outra árvore, eu não quero”. Ainda animadas, apesar da negativa da Oliveira, foram falar com a Figueira, que respondeu: “Eu não, credo! Ia ter que abandonar meus figos, tão docinhos, por vocês. Tô fora”. Já meio desanimadas, as árvores foram falar com a Parreira. E ela: “Tão doidas? E deixar homens e deuses sem vinho? De jeito nenhum!”. Em desespero de causa, e sem alternativa melhor, foram falar com o Espinheiro, que disse: “Querem que eu seja rei de vocês é? Hum… Tá bom. Tô fazendo nada mesmo… Mas é o seguinte: se vocês querem mesmo que eu seja rei, venham para debaixo da minha sombra. Se não o fizerem, sairá fogo do espinheiro e queimará os cedros do Líbano”.
— …
— …
— Tá, e daí?
— E daí o quê??? Acabou a história, é isso.
— Que merda de história!
— Ô seus burros! Será que não conseguem compreender uma metáfora?
— Uma o quê???
— Ai meu saco… O que eu quero dizer é: será que vocês foram sinceros ao escolherem Abimeleque como rei de Siquém? E será que respeitaram a memória do meu pai? Lembrem-se do quanto ele lutou por vocês, arriscando a própria vida para expulsar os midianitas de Israel. E como vocês retribuíram?
— Com trinta quilos de ouro…?
— Er… Tá, mas isso foi há muito tempo.
— A expulsão dos midianitas também!
— Tá, tá, não importa! O negócio é que vocês mataram meus setenta irmãos. É assim que vocês honram a memória de Gideão?
— …
— Pois é! Mataram meus irmãos e depois escolheram Abimeleque, um filho de escrava, para ser o rei de vocês. Bonito, hein? Agora, se vocês acham que o que fizeram foi algo bom e sincero, então sejam felizes com seu novo rei. Do contrário, que saia fogo de Abimeleque para queimar os homens de Siquém e Bete-Milo. E vice-versa!
— Hein? Sair fogo? Jotão, acho que cê anda assistindo muito seriado japonês… Jotão…? JOTÃO?
Mas Jotão já havia fugido. Não era besta nem nada, sabia que Abimeleque não desperdiçaria nenhuma oportunidade para matá-lo. Então fugiu e foi morar em Beer, a cidade de nome mais legal de toda a Bíblia.

10 comments

  1. Nossa! Marco Aurélio! Eu te achava um babaca.. sei lá, talvez por causa do emotionrelio.
    Mas aí eu resolvi ler o seu projeto da bíblia. Comecei lááááá do início. Não li tudo ainda mas… Genial, amigão. Principalmente (pelo menos até agora) a parte de Sodoma e Gomorra.
    Muitos parabéns mesmo, camarada.
    Eu já posso até ver, seu livro publicado, quando finalizado.
    E com versão em CD, narrada pelo Cid Moreira… (bem, como é paródia, as vezes, o Paulo Bonfá, né).
    Oh well
    Chega de pagar pau.
    tá bom…
    só mais um pouquinho.
    Genial!

  2. coé Marco, participando da minissérie da Grobo e nem conta pra nóis… Diz aí como é que está sendo encarnar o Mário de Andrade!

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