Sem medo

Lúcia é uma menina magrinha, riso fácil, boa filha e irmã. Na véspera de seu aniversário de doze anos ela pega Clotilde, sua boneca preferida, toma chá de mentirinha com ela, conversam um pouco, rezam e vão dormir. Na manhã seguinte, Lúcia acorda sentindo-se estranha. Percebe que ficar deitada de bruços é incômodo e, quando se vira, descobre que lhe cresceu um par de peitos. Peitos que doem, assim como a barriga. Ela vai ao banheiro e descobre pêlos que até o dia anterior não estavam ali. Não tem tempo de ficar notando isso porque há algo mais importante acontecendo: Lúcia está menstruada. Ao sentar-se no vaso, percebe que seus joelhos estão mais altos que de costume. Não é para menos: ela cresceu 25 centímetros durante a noite. Levanta-se e faz uma careta de desgosto ao ver as espinhas em seu rosto. Começa a chorar um pranto estranho, amargo. Volta para o quarto, joga Clotilde longe, bate a porta, liga o rádio numa emissora de rock e se deita na cama, olhando para o teto. A mãe vem ver o que está acontecendo mas é recebida aos gritos. Lúcia se assusta com a própria agressividade, mas a mãe compreende de imediato: é o aniversário de doze anos da filha e ela acaba de se tornar adolescente.
Já imaginaram que coisa amedrontadora seria a adolescência se acontecesse assim, de repente? Penso em como teria sido para mim acordar um dia com pêlos no saco, de pau duro, um bigodinho ridículo, uma voz esquisita, espinhas na cara e toda a insegurança do mundo. Mas não: como tudo na vida, a adolescência é um processo paulatino e você tem tempo de se acostumar a ela conforme vai acontecendo.
Estava pensando nisso a propósito de outro aspecto importante da vida: relacionamentos. Um relacionamento não começa de repente, “Veja só, estamos namorando a partir de agora!”, como um par de tetas surgidos num tórax até ontem liso. Não: há beijos, conversas, encontros, idas à casa um do outro, apresentação às famílias e aos amigos, ciuminhos, essas coisas. Aos poucos ambos vão percebendo que fazem parte de uma mesma coisa, que são uma sociedade de duas pessoas. Um dos dois um dia pergunta: “Ei, estamos namorando?”. O outro pensa um pouco e responde: “É… Acho que sim.”. Então os dois escolhem um dia para ser o marco inicial do relacionamento (geralmente o dia do primeiro beijo). Passa a ser o aniversário dos dois, que serve apenas para que gastem dinheiro. Não significa — NÃO SIGNIFICA — que no dia tal do mês tal ele tenha feito a ela (ou ela a ele, ou ele a ele, ou ela a ela) um pedido formal ou qualquer coisa assim. Quando já sentia cólicas pela terceira vez e seus peitinhos já estavam chamando atenção na rua, Lúcia finalmente se deu conta: “É. Sou adolescente.”.
Sendo assim, não entendo como é que tantas pessoas — homens principalmente — sentem tanto medo. No segundo ou terceiro encontro já estão arredios, olhando para os lados procurando possíveis rotas de fuga para o caso de precisarem sair correndo e gritando “O PROBLEMA NÃO É COM VOCÊ! É COMIGO!”. Não entendo, mas durante quase três anos eu não me comportei de modo diferente: pensava que toda mulher que conhecia estava doida para casar comigo e me prender pro resto da vida. Vaidade das vaidades, tudo é vaidade! E burrice também: custa nada relaxar, aproveitar os bons momentos. Um terceiro encontro não significa compromisso, encontro nenhum, aliás: são apenas encontros. Lúcia pensou que talvez tivesse entrado na adolescência, mas descobriu que era apenas um mal estar passageiro.
Por que o medo, então? Por que ficar encolhido dentro de uma concha? Protege da dor, é verdade, mas do ar puro também. Chega. Eu quero é ser ridículo, romântico, meio bobo e, mais que tudo, correr o risco.

36 comments

  1. Eu sei como é isso, e a sua escolha também é a minha. Mas pera lá, eu sou romântico MUITO à moda antiga, eu faço SIM pedido de namoro, de joelhos até, se a ocasião permitir. É uma forma que eu tenho de colocar na minha cabeça: “Agora é só essa.”

  2. E sei lá, acho que esse negócio de ‘pedir em namoro’ é um bocado ridículo.
    Não sei quando comecei a namorar a Patroa. Saímos no dia do meu aniversário, fomos ao cinema, fomos comer um crepe, fomos dar um passeio, fomos à esplanada de madrugada bater papo e ficamos.
    Aí nos vimos no dia seguinte e ficamos.
    E no outro.
    E no outro.
    E no outro.
    E aí, umas duas semanas depois disso, ou mais, ou menos, não lembro bem, estávamos deitados na cama dela e eu falei algo sobre ela e disse “minha namorada”. Ela perguntou “Namorada, né?”. Eu disse “É”.
    Já estávamos namorando e ainda estamos. E nunca que eu faria um pedido formal. Olha bem pra minha cara, vê se eu sou homem dessas frescuradas todas.

  3. Adorei o texto. É impossivel prever a “ilógica” de uma relação. Deixe-me exemplificar:
    Tem uma garota na minha sala, nada a ver comigo, do tipo “NÃO gosta de nada do que eu gosto, NÂO faz nada do que eu faço”. Aquela pessoa “não, não, não, com ela nem pensar!”. Pois é, conversamos umas duas vezes e nos tornamos amigos tão próximos que já não guardávamos segredo algum um do outro. Ela começou a ligar o dia inteiro e me chamar pra ir em td lugar que ia.
    Então veio a rasteira…
    A convivência com ela me seduziu. Um belo dia me vi apaixonado. “Puts, da próxima vez que ficarmos a sós vou abrir o jogo!” Que proxima vez? Como se tivesse lido meus pensamentos ela se afastou, parou de ligar e de sair comigo. Nem sei como isso se deu. Não consegui uma situação favorável desde então.
    E o xeque…
    Um colega meu que sabia da história perguntou (sem meu consentimento é claro!) se ficaríamos na viagem de fim de ano. Como resposta ela disse gostar muito de mim mas nunca tinha me visto daquela forma. Fui pra casa cabisbaixo depois da notícia. Meia hora depois, recebi um telefonema. Conversamos um pouco e a surpesa veio quando ela falou “com vc eu fico”.
    Moral da história: nenhuma. É o tipo da coisa “não queira que aconteça, não espere que aconteça, só preste atenção quando acontecer”.

  4. Eu sou daquelas que sonha com um pedido de namoro… o problema é que se alguém me dissesse:
    Érika, queres namorar comigo?
    Talvez disse.se nao.
    Porquê?
    Medo.
    Medo de poder gostar mesmo de alguém.

  5. Marco, adoro seu blog… Nunca tinha comentado aqui, mas hoje resolvi fazer o que já deveria ter feito antes…
    Acho o nome desse blog o máximo !!! Cara, você precisava de ver o quanto eu e um amigo rimos a primeira vez que vimos esse nome !!! De onde você tirou ele??? Bom, no mais, continue interessante assim que esse blog é o máximo !!! (se puder dá uma passadinha no meu)… Abraços…

  6. Suponho que entender o amor, não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato…
    Ou toca, ou não toca…Amamos sempre no que temos o que não temos quando amamos…

  7. Suponho que entender o amor, não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato…
    Ou toca, ou não toca…Amamos sempre no que temos o que não temos quando amamos…

  8. essa atitude de se ‘guardar’ é algo que, infelizmente, acontece sempre por aí. São vários medos que se juntam e acabamos transformando-os em um monstro gigantesco. Diante dessa figura horrenda que representa medo de rejeição, infedelidade, insegurança, falta de correspondência, entre outras coisas acabamos optando por ficarmos ‘sós, do que mal acompanhado’.
    Há um ano estava nessa fase, mas numa dessas reflexões que fazemos em fins de ano tomei a decisão de ‘me dar uma chance’.
    O resultado foi que encontrei alguém que tbém estava se ‘dando uma chance’ e estamos super bem, há exatamente 10 meses. Tudo o que eu queria era um Namorado e tudo o que ele estava procurando era uma Namorada. A combinação não poderia ter sido mais pefeita.
    Sou uma prova viva de que se abrir para relacinamentos, sem a encanação de que o cara é o homem da sua vida, é muito, muito, mas muito bom. Pq só deixamos as coisas rolarem em seu tempo, assim como o rio.

  9. Marco, no outro dia quando pedi dicas sobre leitura e o que escrever, você, se fazendo de rogado se tirou da lista na resposta.
    Como poderia não gostar do que escreve? Como não admirar tanta poesia em prosa, sons escritos e palavras sentidas?
    Só você mesmo!
    Lindo texto. Lindo!

  10. Merda Marco !!
    Esse porra é um ciclo que atinge a todos nós homens cretinos !!
    Eu cai nessa papinho todo de love forever, casei e me fudi !!
    Se puder aguentar, aguente, faça como Jesus fez !!
    aiuhaiahiauhiauh

  11. Simplesmente sensacional! Pena que, assim como todas as mudanças do corpo, esse tipo de situação também parece ser inato ao ser humano – tanto homens quanto mulheres.
    Grande abraço!

  12. Bonitinho o texto… Dá até vontade de… Snif! snif!
    …….
    Pronto, agora passou…
    Como eu ia dizendo, eu sou a favor de se entregar a quem gosta da gente tb.
    Pode me chamar de tartaruga, mas eu espero o cara se declarar pra mim.
    O mundo tá cheio de gente louca pra achar um (a) trouxa pra maltratar.
    Então, não é bem por aí. Não é o caso de ficar dentro da concha, mas pura e simplesmente de agir com cautela.
    É que nem aquela históra: confie em Deus, mas tranque seu carro.
    E tenho dito!

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