Simples autocrítica

Andando pelo centro da cidade, lembrei-me de comprar refil para o repelente elétrico de insetos. Com esse calor é um acessório indispensável, malditos pernilongos. Então entrei numa drogaria da Barão de Itapetininga, peguei o refil na prateleira fui para o caixa. Ainda na fila reparei no cartaz colado à parede logo atrás da moça que atendia:
VIAGRA COM 25% DE DESCONTO
“Oba”, pensei, “piada!”. É da minha natureza, não consigo evitar. Mas aí tive um ataque de autocrítica: quantos outros, após lerem o cartaz, já não haviam feito piadinhas? Sete da noite, a moça do caixa já devia estar exasperada.
Então lembrei d’O Cabotino, que eu li no domingo à tarde. Acho que as idéias do Polzonoff podem ser resumidas assim: se não vai fazer diferença, pra que começar? Pra que fazer uma piada que todo mundo já fez? Pra que escrever um livro previsível, compor uma canção óbvia, pintar um quadro igual a tantos outros? Eu pretendo ser escritor, sim, mas só se for para daqui a cem anos compararem o Brasil de Marco Aurélio à Rússia de Dostoiévski, ou algo no mesmo gênero. Não faço por menos. Se antes de produzir qualquer tipo de arte o pretenso artista fizesse o tipo de autocrítica que fiz na fila do caixa, teríamos obras de muitíssimo melhor qualidade.
Enredado nesses pensamentos, e feliz comigo mesmo por ter resistido à piada fácil, cheguei ao caixa. A moça, um tanto carrancuda, me apontou dois frascos de Cepacol.
— Quer aproveitar a promoção?
— Que promoção? Do Viagra? Opa!
— …
Droga.

16 comments

  1. isso poderia melhorar a qualidade do que é publicado, mas poda a liberdade da pessoa de escrever, e possivelmente publicar. O parâmetro sugerido é subjetivo. Se é pela autocrítica, eu acho que escrevo bem pra caralho e mereço ser publicado e você se considera sem capacidade e talento e portanto nunca vai publicar o que você escreve…
    Pronto. Entendeu? Ganhamos um escritor medíocre e perdemos um de talento graças a autocrítica.
    A autocrítica é tesoura afiada na mão de crianças como nós.

  2. Complicado isso de chamar esse ou aquele de bom e outros de medíocres. Vide o que a crítica literária fez com Baudelaire, hoje considerado um dos maiores poetas do mundo e totalmente “maldito” em seu tempo.
    Um outro exemplo é Stephen King. Você e mais uma porrada de gente acham que o cara manda bem, a crítica acha uma merda. E aí, quem tem razão?
    Literatura é questão de gosto, é muito complicado rotular alguém de medíocre.
    (Não ache que admitir isso seja fácil pra alguém que estuda Teoria Literária)
    Quanto a compararem o Brasil de Marco Aurélio à Rússia de Dostoiévski, isso já é feito, pois assim como a Rússia, o Brasil é pra lá de fantástico, basta lançar mão dos elementos que todos os dias saltam na sua frente.
    Bom, eu acho que escrever é para quem ainda sabe sonhar e tem coragem de encarar o real. Eu não tenho ambos, se vc tem, por que não tentar?

  3. Faltou definir o que é uma base e bons parâmetros… Eu posso ler muito, não ter criatividade nenhuma e ainda sim achar que meu texto “mesma-coisa” merece ser publicado somente para satisfazer as minhas aspirações, sem querer fazer diferença, sem querer ser o bestseller, enfim, escrever por uma necessidade pessoal apenas. Algo como “Tenho total liberdade para escrever. Desde o momento em que acredito que vivo num país livre, sou também livre para dizer o que quero(…)”. Privar-me do direito de aspirar a publicação do que escrevo é atropelar a minha autocrítica. Eu tenho o direito de escrever, e quiça publicar. Você tem o direito de não ler, ou ler e, se desejar, criticar. Mas nenhuma crítica tem o direito de podar as idéias ou contê-las antes destas se manifestarem.
    E viva a revolução da literatura medíocre!

  4. deus chuta bundas!!!
    Quem define o que é bom e o que é ruim? Pode ser que algo pra voce seja uma merda toque a alma de alguem e diga algo pra essa pessoa. Eu simplesmente não suporto ler Paulo Coelho e o FDP virou imortal…

  5. deus tá de gozação comigo.
    não se pode comparar a liberdade de se escrever algo em blog, seja num “manifesto” que tem mais razão de ser do que desconfia sua vã filosofia, seja num blog, à liberdade de se escrever livros.
    livros são perenes. ponto final.
    marco aurélio tem razão: não se está falando em censura, e sim em autocrítica. ou em sublimação, se preferir um termo mais bonitinho.
    tem uma coisa que eu não suporto no senso-comum: esta idéia de que a crítica não pode dizer nada porque foi injusta no passado, seja com Baudellaire, seja com Van Gogh, seja com quem seja. para mim isso tem um nome: covardia.
    sinto muito por você ter lido um capítulo do Mirisola. mas isso só corrobora a minha opinião, que nem opinião de fato é: tem alguma coisa errada aí. e eu não sei o que é.
    abraços,

  6. Sei não. Toda a pessoa que produz alguma forma de arte tende a ter dois comportamentos obssessivos. Ou acha que tudo o que faz é uma merda, ou o contrário, que é perfeito. Acho que crítica deve ficar apenas aos que não tem talento nenhum e se tornam críticos profissionais. Quanto maior a variedade de obras, maior a quantidade de coisas boas, mesmo que sejam um percentual pequeno das coisas ruins. Pecar por excesso, se é que você me entende. Cabe as pessoas peneirarem o que lhes agrada e legarem o resto ao lixo…

  7. Oi Marco!
    Acho que autocrítica é super importante. Em todas as esferas da nossa vida, evita (ou deveria evitar) arrependimentos e ranger de dentes.
    Por outro lado, apesar de ainda não ter lido nem 1% da sua sátira bíblica, já deu para perceber que ela é muito boa e merece virar livro. Merece mesmo. A idéia é ótima e o texto idem.
    Bjs, Fernanda

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