A destruição de Ai

(Josué 8)
Eu não entendo essa gente que diz que é difícil agradar a Deus. Consideremos o caso de Acã, por exemplo, que vimos no capítulo anterior. Só foi preciso que o povo levasse Acã para fora do acampamento e o apedrejasse, queimasse sua família e seus animais juntamente com suas posses e depois soterrasse tudo sob um montão de pedras e pronto: Javé estava feliz de novo. Isso é que é um Deus bom e cheio de misericórdia, eu não me canso de dizer…
Já de coração leve, Javé desceu do céu assoviando para falar com Josué:
— E aí, meu chapa? Pronto pra juntar uma galera da pesada e sair detonando e aprontando todas pelas ruas de Ai?
— Er… Hein?
— Bah, tá vendo? A gente é duro e todo mundo acha ruim, a gente é bonachão e informal feito uma chamada de filme da Sessão da Tarde e ninguém entende. É uma merda. Negócio seguinte: cês vão invadir Ai, e dessa vez vão ganhar a batalha. E com um detalhezinho que você vai gostar: ao contrário do que aconteceu em Jericó, dessa vez vocês vão poder ficar com o espólio da cidade.
— Hum.
— Ué, não ficou feliz???
— Porra, Javé. Agora cê resolve liberar o espólio? Tivesse feito o mesmo em Jericó, oras! Não teríamos passado aquele vexame em Ai e nem precisaríamos executar Acã e sua família.
— Bah, você é muito sensível a essas coisas… Deixa isso pra lá, ok. Vamos botar uma PEDRA sobre esse assunto… PESCOU? PESCOU? PEDRA!
— …
— Humpf. Olha, estão aqui os planos para a conquista de Ai.
— Ok.
Conquista, claro está, era eufemismo. Termos mais exatos seriam massacre, genocídio, limpeza étnica: as instruções incluiam, como da outra vez, a exigência de que toda a população fosse exterminada.
Na madrugada seguinte, os guardas de Ai foram surpreendidos pela presença de um acampamento israelita ao norte do portão principal da cidade. O rei ficou indignado ao saber da notícia:
— Mas como é que pode! Nós já não demos uma surra nesses calhordas? Como é que eles ousam vir aqui de novo, ainda mais com um exército tão pequeno? São suicidas ou o quê?
— E tem outra coisa! O líder deles, o tal de Josué, está no comando naquele acampamento.
— O quê??? Os caras mandam um destacamentozinho sem-vergonha desse, e ainda liderado pelo maior general que eles têm? São burros mesmo. Vamos lá, vamos botar esses imbecis para correr.
Então o rei saiu da cidade com todos os seus soldados. Conforme avançavam na direção do acampamento israelita, iam cantando o mundialmente famoso hino de Ai:
AI!
AI AI AI!
AI AI AI AI AI AI AI!
EM CIMA, EMBAIXO, PUXA E VAI!

Quando ouviram o hino e viram o exército imenso que se aproximavam, Josué e seus comandados levantaram acampamento e saíram correndo como da primeira vez. Os soldados de Ai riam e zombavam da covardia dos israelitas:
— Volta aqui, circuncidado, que eu vou acabar de cortar seu pau!
— Não foge não, ô do gorrinho!
— Você aí de trancinha, me espera!
— ESPERAÍ, FILHO DA PUTA, QUE EU VOU FAZER VOCÊ COMER MANÁ PELO… Er…
Majestade?
— VOLTA AQUI, QUE EU VOU FAZER COM A TUA BUNDA O QUE MOISÉS FEZ COM O MAR VERM… Que foi?
— Olha ali atrás…
O rei olhou e não acreditou no que via. Notando o olhar embasbacado de seu líder, os soldados foram parando para olhar para trás. E lá da cidade que eles haviam deixado fazia pouco tempo viam subir a fumaça. Ai estava sendo destruída. Enquanto todos ainda estavam congelados pela incompreensão do que acontecia, Josué ordenou a seus homens que dessem meia volta e começassem o ataque.
Mas como foi que isso aconteceu?, alguém pode perguntar. Oras, é simples: a estratégia que Javé passara a Josué era manjada porém eficiente. Sabem aquele golpe do Didi, de ficar balançando o pezinho para distrair o oponente, e então dar-lhe uma traulitada na cachola? Pois foi mais ou menos isso que Josué fez: acampou com um exército pequeno bem à vista dos guardas de Ai, mas antes havia enviado mais de trinta mil homens para se esconderem a oeste da cidade. Quando o rei saiu com seus homens para atacarem o pé do Didi Mocó que era o destacamento-isca de Josué, os outros aproveitaram para darem um catiripapo na caçoleta de Ai, entrando na cidade para matar todos os seus habitantes, saquear o que houvesse de bom e incendiar o resto.
O rei percebeu o quanto fôra imprudente ao sair da sua cidade com todo seu exército. Ainda pensou em voltar mas era tarde: Josué e seus soldados já caíam sobre eles, e os outros israelitas, tendo concluído boa parte da destruição da cidade, vieram dar apoio. O exército de Ai foi totalmente cercado e todos foram mortos, com exceção do rei, que foi tomado como prisioneiro. Tendo terminado de matar os soldados, os israelitas voltaram para a cidade e concluíram o massacre. Saldo: doze mil civis mortos. A cidade foi saqueada e reduzida a ruínas. Por fim, Josué enforcou o rei de Ai numa árvore e ali o deixou até o pôr-do-sol, quando ordenou que o cadáver fosse jogado na frente do portão principal da cidade e sepultado sob um monte de pedras.
Depois de duas conquistas importantes como foram as de Jericó e Ai, era hora de Israel cumprir as instruções Moisés deixara para quando o povo atravesasse o Jordão. Josué, então, construiu no alto do monte Ebal um altar de pedras brutas e sobre ele o povo ofereceu sacrifícios. Depois disso, metade do povo se posicionou em frente ao monte Ebal, enquanto outra metade ficava em frente ao monte Gerizim, para ouvirem a leitura da Lei feita por Josué. Pronto, o povo de Israel estava oficialmente em Canaã. Agora era só conquistar o resto do território.

9 comments

  1. No próximo capítulo o pessoal de Gibeom vai fazer o Josué de besta. Eles vão todos virar servos, tiradores de água e rachadores de lenha, mas isso aínda é melhor que ser saqueado e massacrado.
    Tô só com uma duvida: o que pode ser “rachador de lenha”? É alguma coisa como lenhador e carpinteiro ao mesmo tempo? Porque o cara que traduziu a bíblia não fala “lenhador”, simplesmente?
    Não sei não, mas acho que rachador de lenha deve ser o profissional que trabalha numa especie de madereira. Rachar Lenha não é a mesma coisa que cortar uma arvore. As duas coisas podem ser feitas por um lenhador, mas a primeira é mais um serviço de quem trabalha nuna madereira.

  2. Esse foi um dos melhores posts bíblicos dos últimos tempos. Muito boa a idéia do hino.
    O Rei de AI (algo a ver com Matrix?) não leu O Senhor dos Anéis… Ou ainda não chegou ao volume 3..

  3. De um tempo pra cá começou a aparecer nos comentários uma galera fazendo o favor de nos informar sobre o que vai acontecer no próximo capítulo. Legal, né? Assim não precisamos perder tempo lendo o que o Marco escreve. Aliás, talvez ele também possa parar de escrev er e deixar o site pra esses apressadinhos.
    Po, porque essa galera não vai pra porta dum cinema contar o final do filme pra quem tá na fila?

  4. Caracaaaaa essa história é muito sinistra, o Josué tá muito mau!!!!
    Acho até que o presos andam lendo muito a biblia ultimamente e se inspirando nos massacres. eheheheheh

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