Maravilhas

Acabo de ler que a Voyager 1, sonda espacial lançada há 25 anos, está agora mesmo cruzando a fronteira do Sistema Solar. Aqui, ó. Lendo a matéria, senti uma empolgação infantil: a humanidade cruza mais uma fronteira. É claro que hoje o Sistema Solar é pouca coisa: com os equipamentos que temos atualmente, nosso conhecimento vai muito além dele. Mas, notem, atingimos fisicamente essa fronteira. Há um artefato nosso…
— Nosso porra nenhuma! É mais um instrumento imperialista que visa a dominação do…

[POW! SOC! CRASH!]
Arram… Como eu dizia, há um artefato nosso além de Plutão. Longe, muito longe! 12,3 bilhões de quilômetros!
E aí sou tomado por uma tristeza. Porque sei — eu e Fer vivemos lamentando isso em nossas longas conversas — que a reação de grande parte das pessoas frente a esse fato maravilhoso será:
— E daí? Em que isso muda minha vida? Como é que a Voyager vai me ajudar a pagar o aluguel?
E tenho pena dessas pessoas. Pena mesmo, o dó mais sincero. Como é que alguém consegue viver assim, sem o mínimo maravilhamento diante da vida, da natureza e das conquistas da ciência? Como é que alguém passa seus dias sem nunca se questionar sobre a existência, sobre o funcionamento das coisas, sobre Deus? Acham tudo isso sem importância porque, oras, questões assim não botam comida na mesa. Ah, mas que porra de mentalidade tacanha! Nem só de pão vive o homem, será que é tão difícil perceber isso?
Nem é necessário que você viva se perguntando sobre questões elevadíssimas. Eu mesmo às vezes passo horas ou dias pensando em coisas que deixariam essas pessoas aterrorizadas frente à minha falta do que fazer (qualquer linha de raciocínio que não tenha um objetivo claro e prático é falta do que fazer para essas pessoas. Podem reparar). Uma questão que anda me intrigando há dias: como é que uma criança posta frente-a-frente com um Yorkshire Terrier e um Boxer saberá imediatamente que são ambos cachorros, mesmo sendo bichos tão diferentes um do outro, e se deparada com um gato e uma jaguatirica, que são bem parecidos, dirá prontamente que o primeiro é um gato e o segundo não? (Aliás, pesquisando para ilustrar as raças de cães aqui, cheguei a outra pergunta: por que as palavras cinofilia e zoofilia têm sentidos tão drasticamente diferentes, se o que muda é só o prefixo?)
E qual a importância de questões assim? Oras, quem é que sabe? Não acredito em nenhuma pergunta que não possa ser formulada por uma criança; só as questões infantis são profundas de verdade. Se você despreza isso, sinto muito: você é um autista. Vá se tratar. Você nunca produzirá arte e nunca será capaz de amar de verdade. Imagine só olhar para a mulher que você ama e não pensar algo do tipo “Como é que ela consegue com um simples gesto estabanado me encher de ternura desse jeito?”. Ah, não. Muito sem graça.
Maravilhem-se, meus caros. Perguntem-se coisas como “Quantas cores existem? Todas elas têm nome?” (Fer), “Por que é que o banheiro fica com eco depois da faxina?” (Biboca), “De que cor é o Ziraldo?” (Polzonoff), “Por que os fabricantes de camisinhas as fazem tão grandes? Ninguém tem um pau daquele tamanho, os caras gastam milhões em borracha que nem vai ser usada!” (moskito, mas ele é suspeito), “Por quê, em propagandas de margarina, todos os pais têm que chamar o filho de ‘filhão’?” (Alexandre), “Como é que a calculadora faz conta?” (Gravata), “Pra que serve esse botãozinho vermelho?” (deus, e foi assim que ele criou tudo). Perder a capacidade de fazer perguntas assim é suicídio.

27 comments

  1. Na ordem:
    1. Três, o resto é mistura, coisa de arquiteto viado. Sim, vermelho, azul e amarelo.
    2.Porque a merda absorve o som.
    3. Flicts.
    4. Para mim. Vale à pena o desperdício com os outros porque eu sou o maior consumidor.
    5. Porque eles usam hormônios, nos vegetais utilizados na fabricação de margarina, que interferem no crescimento humano.
    6. É igual o ábaco, mas com mostrador digital.
    7. PRA CAGAR, MARCO!!! PRA CAGAR, E SÓ PRA ISSO!!! E VÊ SE NÃO ME VAI SAIR FAZENDO BESTEIRA POR AÍ!!
    Mais alguma coisa?

  2. Puxa vida… há um tempo, uns amigos me chamaram de autista exatamente por eu ficar questionando coisas desse tipo. No fim das contas, autistas eram eles. Há!
    (sim, eu sou uma criança feliz, apesar de a vida nem sempre colaborar com isso)

  3. Como é que diria Goethe mesmo? “Quem, de três milênios, Não é capaz de se dar conta Vive na ignorância, na sombra,À mercê dos dias, do tempo”…
    E aí, vamos beber saquê, meu velho?

  4. Tio Marcurélio, tem uma ciência muuuuuuuito legal que trata algumas questões sobre essa sua forma de pensar, chama-se TANATOLOGIA, isso mesmo que você leu o “estudo da morte” por assim dizer.
    Mas para explicar melhor essa ciência, tudo se resume numa frase: “O estudo da vida, mediante a ótica da morte” é uma coisa bem existencial, extremamente legal, se é que você aceita a palavra de um entusiasta nessa ciência, se você quiser ou se interessar, terei prazer em lhe mostrar alguma bibliografia sobre o assunto.
    Abraços.

  5. Esqueci de dizer: peido pesa, sim. Isto pode ser comprovado com a seguinte experiência:
    Material: balança de precisão, bexiga de aniversário e um peidão.
    Procedimento: Pese a bexiga vazia. Anote o resultado. Peça para o peidão soltar uma bufa DENTRO da bexiga. Como vocês vão fazer isso não é problema meu (mas imagino a cena e garanto que vai ser grotesco). Pese a bexiga com o material explosivo. Espera-se que o valor obtido seja maior. Verifique antes se o bocal da bexiga não ficou melado de cocô ou com cabelo de bunda preso, o que pode afetar o resultado final (lembre-se que a balança é de precisão).

  6. É Marcurelha, tu é inquieto, curioso e investigativo demais pra ser ateu…rsss.
    PS: Walter Mercado: preto e branco é coisa de arquiteto viado ? Ops…hehehe

  7. Nem autistas estes seres chegam a ser, pois os autistas tem uma imaginação enorme e fazem perguntas maravilhosas. Meu irmão é portador de autismo e, dentro das suas limitações, me surpreendeu com esta: “O telefone sem fio trasmite a voz pela “tremeção” do ar?”

  8. Olha, essa aí não é bem uma pergunta, mas é uma frase filosófica na qual eu não paro de pensar. Então me ajudem:
    “É uma grande extravagância querer fazer consistir a felicidade do homem na realidade das coisas, quando essa realidade depende exclusivamente da opinião que dela se tem.” Erasmo de Rotterdam, Elogio da Loucura.
    Que tal ?

  9. 26/10/2003
    São Caetano 0 x 1 São Paulo
    A bola cabeceada por Somália, atacante do São Caetano, ultrapassou em toda a sua circunferência a linha do gol ou o Rogério Ceni conseguiu a defesa em cima da linha?

  10. Se a admiração infantil não nos levar a nos admirarmos (e relacionarmos) com as pessoas, não vale a pena viver. E admiro vc. Acho q vc ainda vai receber o q merece. E é td de bom. Sem nenhuma viadagem.

  11. Po, Chicoteia… Bem mandado esse post. Definitivamente me fez lembrar de algumas coisas que acredito. Nem só de pão vive o homem, e como disse o filho de Javé, de toda palavra que sai da boca de Deus. Não penso que sejamos criaturas de Deus, mas sim expressões de Deus. E assim sendo, a “palavra” de Deus é a própria expressão do ser humano. A eterna vontade de superar limites, etc etc etc…
    Bacana saber que a Voyager ultrapassou o sistema solar! o/

  12. o estranho que é muita gente que diz que “no que a Voyager vai me ajudar pra pagar o aluguel”, ficar nervosa pq a Sônia Abrão falou que o artista tal ta namorando a cicrana. Isso sim é ridículo

  13. A questão lá da cinofilia vs. zoofilia. Filia é um dos termos gregos para o amor, o amor humano sem idéia de sensualidade. Mas acabou servindo pra formar várias palavras de cunho sexual (afinal, a língua muda, os significados mudam, é o curso natural). A do cachorro, eu fico devendo. Mas acho que a gente (desde criança) consegue abstrair quais são as características que definem a espécie, mesmo que não seja capaz de racionalizar. O que leva a novas perguntas, claro.

  14. Muito bom! Mais uma conquista maravilhosa! Parabéns para a humanidade!
    Eu adoro entrar em contato com as descobertas da humanidade. Acho que a melhor definição para o humano é a palavra plasticidade.
    Mesmo assim, mesmo com esse prazer que tenho em nos admirar, não deixo de achar certas coisas horríveis. Uma delas é o absurdo gasto com viagens espaciais e etc, enquanto tem gente passando fome. É uma opinião piegas, eu sei, mas nem um pouco tacanha.
    Nenhuma descoberta serve para a humanidade inteira. Nenhuma é valorizada da mesma forma por todos! Como admirar um fato como esse precisando pagar contas? Não são comportamentos compatíveis.
    Tacanho é imaginar que todos têm as mesmas preocupações. Bom, não têm. Eu, felizmente, posso admirar mais essa barreira vencida pela humanidade. O Fulano não pode.
    E quanto às perguntas, cada um pergunta o que é necessário e possível na situação em que se encontra. Talvez as perguntas não sejam filosóficas ou bem elaboradas, mas as respostas que podem alcançar também não são.

  15. Na verdade as crianças aprendem que tando o poodle quanto o boxer são cachorros pela socialização que pais e escola dão a eles. Se não fossem pais mostrando o “au-au” toda vez que um cachorro passa pela rua, seja de qual raça for, as crianças não fariam essa dedução. O mesmo vale para as imagens de de gato, cachorro em geral, mostradas na escola.. Mas vc nem vai ver essa merda.. Escreveu 7 anos atras! XD

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