O retorno

Tomado por ondas de tristeza, corri para o fumódromo e fiquei olhando pela janela e tomando café, já que não fumo. Em poucos minutos ele apareceu, vindo lá dos lados da Hípica.
— Aê, mané. Me arruma um cigarro.
— Parei de fumar.
— Hum. Tá explicado o sumiço então.
— Sentiu saudades?
— Claro que não. Senti falta de filar um cigarrinho vez em quando. E de dar nó na sua cabeça, que é o mais legal. Aliás, tá fazendo o que aqui hoje?
— Nada. Vim só olhar a paisagem.
— Que paisagem, mané? Esse concreto todo aí? Fala a verdade, você veio me esperar. Desembucha, vai. Que se passa agora?
— Ué, você não é o sabe tudo?
— É, acho que sou. Mas é que gosto de ver você se rebaixando.
— Espere sentado.
— Eu não sento. Não tenho bunda, esqueceu?
— Nem bunda nem capacidade de entender figuras de linguagem.
— Cê tá se achando esperto, né? Pois bem, não quer falar nada? Então eu falo. Você parece uma garça, sabia?
— Teu rabo.
— Deixa eu falar, porra. Você já reparou nessas garças que sobrevoam o rio às vezes? Branquinhas, elegantes, vôo suave, uma beleza.
— É, são bonitas mesmo.
— Bah, bonitas o quê! Mera superfície! Que que um bicho desse vem fazer no Rio Pinheiros? Vem fuçar na merda! Todo mundo tem asco de nós porque somos feios e agourentos. Mas jamais nos humilhamos a ponto de ficarmos revirando merda à cata de migalhas. Nosso negócio é com a morte. Ser urubu é um sacerdócio, ser garça não é nada.
— Tá. E eu com isso?
— Já disse, você é uma garça. Fica aí querendo parecer limpinho e correto, mas vive chafurdando na merda alheia, esperando encontrar como recompensa de seu trabalho sujo um resto de carinho aqui, um pouco de atenção ali, até amor talvez, embora não acredite que sua sorte chegue a tanto. Oras, seu mané! Você é feio, desengonçado e pardacento. Seja um urubu, voe alto, saia da merda.
— Você acha que ser urubu é mesmo grande coisa, não é?
— Melhor do que ser um mané sem vida feito você.
Ia responder, mas nesse momento uma garça passou voando na direção do rio. Ele fez um muxoxo de desprezo e voou para o lado oposto.

30 comments

  1. Eu se fosse vc ouvia o urubu, vc se parece comigo, tem muita amigas, todas te chamam de meu amor, minha vida, minha paixão, mas nenhuma quer nada sério com você, talvez poque vc seja engraçado demais, talvez porque vc seja legal demais… Já que é assim, vamos fazer como os canalhas fazem, vamos trata-lás como elas gostam de ser tratadas. Agora eu já chego pra minhas amigas, dou um tapa na bunda e mando: E aí? vamu partir esse pastel aí ou não vamos?

  2. hummm…. dar voltas e voltas e voltas para pegar a pipoca fria e vencida no final??
    isso é trocar merda fresca por merda petrificada…

  3. Da serie “Comentarios Inteligentes”:
    Caralho, que post foda!!!!!
    Agora falando serio: Leio direto os blogs da panelinha, e esse seu post é simplesmente o melhor que ja li na minha vida. Nao é puxar saco não (eu nem blog tenho), é uma constatação e um reconhecimento. E de pensar que antes eu não frequentava o Jesus…

  4. Bom saber que os comments estão abertos.
    Me aguarde Marco, me aguarde.
    Até no máximo sexta feira.
    E meu nome? Ah, meu nome vc já sabe.
    huahuahahu
    E sabe tb q nao adianta banir ip =*

  5. ae Marco…, eu cliquei no seu link ELE para ver e reparei que antigamente vc colocava mais fotos em seus posts… hj tem muuuuuuuuuito mais texto…
    Tipo… ilustrar de vez em quando é bom , né !¿
    valew!

  6. Por causa da emoção de ver meu ídolo, e eu não conhecia ninguém lá pessoalmente… e eu sou quietinha mesmo… Podia ter vindo no show do Skank, estava muito bom… Te amodoro, e eu fico mal quando você conversa assim com o urubu… queria que você tivesse uma alegria infinita, sem parecer ser uma pessoa fútil, mas alguém que já aprendeu tudo que a vida pode ensinar e consegue ser feliz assim… lindo… beijocas!!!

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