No metrô

Ontem por volta das onze da noite, estava eu na estação Anhangabaú do metrô esperando o trem que me levaria confortavelmente através da cidade até minha casa. Acontece que o trem demorou e veio cheio demais. Como é anunciado repetidamente nos alto-falantes durante os horários de pico, “Na impossibilidade de embarque, aguarde o próximo trem. O intervalo médio entre trens é de apenas três minutos”. Foi o que fiz: resolvi esperar o trem seguinte. E enquanto esperava, lembrei-me do que sonhara na noite anterior.
No meu sonho, eu também estava na plataforma do metrô, só que na estação Santa Cecília. Enquanto os usuários esperavam o trem, funcionários do metrô conferiam os bilhetes de um por um. Uma coisa estranha, já que as catracas existem para isso, mas sonho é assim mesmo. Sei que no meu sonho havia duas ou três pessoas em pé no meio dos trilhos. Eu ouvia o trem chegando e tentava adverti-las, mas elas pareciam estranhamente alheias ao perigo.
Absorto na lembrança do sonho, mal notei o trem que se aproximava. Os primeiros vagões passaram por mim. “Oba, esse tá vazio”. O trem parou e eu me postei em frente à porta. Que não abriu, é claro: só metade do trem tinha entrado na plataforma, a outra metade ainda estava dentro do túnel. As luzes dos vagões se apagaram quase no mesmo instante em que um tumulto começou na outra ponta da plataforma. Homens correndo. “Pega!”, “Foi ele! Foi ele!”, “FILHO DA PUTA!”. Passaram por onde eu estava e subiram as escadas.
Ao contrário do que possa parecer, costumo ser otimista em relação à humanidade. Então concluí que o tal “Filho da puta” tinha acionado uma daquelas chaves de emergência da plataforma, parando o trem e atrasando a vida de todo mundo, motivo suficiente para levar uma boa surra. Mas esse meu conto de fadas foi descartado quando vi a funcionária do metrô descendo as escadas correndo, chamando a segurança pelo walkie-talkie e quase chorando. Dois vagões à minha frente, pessoas abaixavam-se e apontavam para os trilhos. O “Filho da puta” tinha jogado uma mulher nos trilhos quando o trem se aproximava. Assalto? Briga? Ninguém sabia dizer.
Não sou portador de curiosidade mórbida, então resolvi sair de lá e pegar um táxi. No corrimão da escada, grandes manchas de sangue fresco. O “Filho da puta” apanhara bastante antes de ser preso. Enquanto eu subia para o vale do Anhangabaú, o Metrô tratava de mostrar sua eficiência: funcionários de roupa verde acionavam os homens de preto que, calçando luvas amarelas, corriam para a plataforma para recolherem os restos da mulher e enfiar tudo num camburão azul. Não procurem a notícia nos jornais. A Companhia do Metropolitano de São Paulo é tudo aquilo que a cidade queria ser: moderna, eficiente, rápida, limpa e assustadoramente hipócrita.
Ando de metrô desde criança, e sempre ouvi falar de gente morta nos trilhos. Estive presente em duas ou três ocasiões em que suicidas sem senso comunitário resolveram se matar na hora do rush. Esse, no entanto, foi o primeiro homicídio de que ouvi falar. Ouvi falar o caralho, eu estava lá. Num caso ou no outro, as ocorrências nunca vazam para a imprensa.
Quanto ao sonho: todos sabem que sou cético, e cito com freqüência a Lei dos Números Muito Grandes, dentre outros verbetes do Dicionário Cético. Sei que ter sonhado com pessoas nos trilhos do metrô foi apenas coincidência. Mesmo assim não consigo evitar uma sensação incômoda, ainda mais por ter estado pensando no sonho no momento em que tudo aconteceu. Foi assustador.

44 comments

  1. Tem nada de estranho, Guilherme. Eu ando de metrô todos os dias há pelo menos treze anos. É natural que eu sonhe com o metrô de vez em quando. Tenho sonhos recorrentes de uma estação depois de Itaquera, em que só se chega andando pelos trilhos. E também já sonhei algumas vezes com pessoas nos trilhos. Uma vez até sonhei que alguém me empurrava na hora em que o trem apontava no fim do túnel. Dada a freqüência com que tenho esses sonhos, estranho seria se nunca acontecesse de coincidir com um fato real. Coincidência estranha mesmo seria eu sonhar com um homem atirando uma mulher nos trilhos da estação Anhangabaú.

  2. Não acredito em coincidências, também não acredito na lenga lenga de que “está escrito” ou “está predestinado”. Mas acredito que as coisas acontecem de acordo com a necessidade e que o acaso não existe.
    Pois o acaso é coisa alguma e coisa alguma é nada que por sua vez não existe, logo nada pode ser obra do acaso.(putz.. complicado)
    Seu caso de ter se recordado do sonho na hora do incidente pode ou não ter sido coincidência. Fica a seu critério avaliar, pois sei que ceticismo quando bem orientado é uma das ferramentas mais úteis que a humanidade dispõe.
    Cara, lendo o JMC estou formando uma tese muito louca a respeito do que leva alguém a ser cético. Acho que qualquer dia desses vou postar um troço sobre isso.

  3. Meu, se sonho com isso eu fico umas duas semanas sem andar de metrô.
    Confesso que tenho um certo “medo” dessas coincidências um pouco tanto “estranhas”, acredito que tudo possa ser uma espécie de aviso, ou algo do tipo. Sonhar com uma coisa séria naum deve ser por acaso. Aliás, NADA é por acaso.Muito menos sonho. falando sério, não consigo “ignorar” algo desse tipo.

  4. Não posso dizer que foi só coincidência, por que no fundo acho que não foi. De vez em quando isso acontece comigo, sonhar com algo e depois vivenciar o lance quase exatamente como no sonho.
    Tampouco acredito em destinos pré-estabelecido, por isso gosto da frase: “não creio em bruxas, mas que elas existem, existem…”
    Quanto a fato em si, fica a triste constatação de que o homem se deteriora a cada dia…

  5. Horrível, mesmo. A ética jornalística proíbe a divulgação de suicídios, mas um crime como esse só não é divulgado se existir uma gorda propina básica rolando para evitar o vazamento deste tipo de notícia.

  6. Hahaha. É só andar vestido numa bolha, como naquele filme lá que esqueci o nome. Se alguém lhe empurrar nos trilhos, no máximo você quicará. Já se o trêm bater em você, não esquente e aproveite a paisagem.
    Atualmente ando dentro de uma bolha para evitar problemas como este.

  7. Eu não acredito em coincidências, eu acredito em conspirações. Acho que é por isso que eu sou paranóico. No próximo dia 26 vão acontecer umas coisas conjuntas que não há a MÍNIMA possibilidade de serem fatos paralelos.

  8. Em 1986, Meu tio Zequinha, irmão do meu pai, foi assasinado,jogado no trilho do metrô. Não me lembro a estação. Vou procurar alguma coisa e se achar eu te mando. Na época saiu em todos os jornais. Zequinha, apelido de José Alves dos Santos. Ele esperava atrás da linha amarela e quem o matou estava na espreita. Quando o metro estava vindo, meu tio foi empurrado. Nunca acharam o assasino…

  9. É… mas essa teoria dos números muito grandes convence tanto quanto a explicação bíblica para a destruição dos dinossauros (Lúcifer cai na terra detonando os bichos, etc, blá, blá, blá, tive que ler sobre isso num jornal evangélico e rir, rir muito)

  10. mano não sei se eu em outra vida passad morri assim ou nessa vida estou predestinado a morrer dessa maneira…. mas todo assunto que cita corpos em picadinhos ou coisa parecida me da um grilo do caramba…. o frio na barriga desgraçado. mas foi foda foi heim….

  11. Que paranoia! Alguns anos atras, aqui em Milao, tinha um SERIAL KILLER que empurrava as muié nos trilhos do metro. Todo mundo 50 metros atras da linha amarela… Aqui ou ali, ta’ duro de sobreviver com tanto maluco solto nas ruas.
    Mas a ‘coincidencia’ do sonho faz pensar…
    Ah, tava esquecendo: eu gosto de te ler.
    Beijim

  12. Se alguém souber da existência de algum psycho destes no metrô de Paris, avise Tia Cris, please. Virar foie-gras nos trilhos do metrô da cidade-luz não deixaria de ser uma morte très chic mas, em todo caso, manterei uma boa distância da linha amarela…

  13. Marco, nada é por acaso. Até seu ceticismo precisa admitir que alguns fatos pela vida são difíceis de explicar com um raciocínio lógico. Nesse caso admito que é provável que essa sua relação íntima com o Metrô tenha ocasionado esse sonho, mas não é só isso. Por mais sonhos que você possa ter (ou que tenha tido) em nenhum você viu pessoas sobre o trilho e no dia seguinte viu uma mulher ser atropelada pelo trem… Chame isso do que quiser, lá de onde venho chama “Premonição”.

  14. Marco, sonhei contigo ontem.
    Sonhei que vc morreu, só tinha blogueiro no velório. Logo após vc foi enterrado e fui prestar minha última homenagem à vc. Fiquei surpreso quando te vi enterrado, mas com a cabeça de fora, nisso vc abriu os olhos, eu assustei, vc me olhou e disse baixinho.
    Fazão, enterra a cabeça, enterra a cabeça! hehehe!

  15. Caralh… =-X
    Dificil eu andar de metro, mesmo pq a estação fica longe da minha casa… Mas sempre que preciso pegar metro, sempre, eu fico pensando se não passaria um louco e me empurraria no trilho. Engraçado que eu nunca havia escutado sobre homicidio ou suicidio a nao ser em conto, lenda ou novela, e sempre tive esse pressentimento. Agora é que eu vou ficar mais encanada ainda… eu hein!

  16. e pensar que pode ter sido VOCÊ o causador disso tudo. Com aquele seu megaflashmob a populacao se mobilizou e foram todos para o metro o que gerou um tumulto sem precedentes. Engolida pela multidao, a pobre moça escorregou e caiu nos trilhos. Que sirva de licao seu mobber!

  17. Coincidencias nao existem!!! tanto eh, q meu pai morre de medo de facas. sabe por q? pq emcarnacao passada ele foi assassinado a facadas, a mesma coisa meus irmaos, morrem de medo do mar… eles quase se afogaram, tb na encarnacao passada…

  18. Marco sinto lhe dar uma péssima notícia,você não teve esse sonho no dia anterior. O que acontece é que vc ao ficar sabendo do ocorrido teve uma regressão aos minutos antes do ocorrido e processou a informação trágica com um memória falsa para que vc compreendesse de forma mais subjetiva a morte e ter a impressão de que poderia mudar o destino fatídico.
    Agora eu se fosse a Xuxa lhe diria para acreditar nos seus sonhos…de agora em diante. Eles são reais.

  19. De fato, Walter Mercado, existe esse processo de criação de memórias e tal. Mas não foi o que me aconteceu, porque eu contei o sonho para algumas pessoas bem antes do ocorrido. Como eu disse, não foi premonição, apenas uma coincidência. Estranho MESMO seria se tal coincidência nunca ocorresse. De qualquer forma, bom ter alguém aqui que compartilha do meu ceticismo.
    Aliás, recadinho pra Observadora: isso aí foi um comentário irônico, né? Você não veio aqui no meu blog discutir comigo usando a reencarnação como argumento, certo? Ah, bom. Foi boa!

  20. Olha que coincidencia, hj eu tava chegando no anhangabau e ocorreu um suicidio, nao olhei a cena passei com o pescoço virado pelo corpo, ao chegar aqui no trabalho procurei noticias e, é claro nao encontrei nada porém cheguei a este site, http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20060623113302AAed2Hc, esmiuçando mais, li o que o Marco Aurélio escreveu, notem que a “Melhor Resposta” cita o caso que o nosso colega Marco presenciou.
    Apenas Curiosidade.
    []’s a todos.

  21. É lógico que o Metrô não divulga casos de suicídio, pois se dessa forma alguns idiotas ainda resolvem se matar nos trilhos. Imaginem se fosse divulgado.

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