Sobre o ato leviano de escrever

(Aviso: muitas das idéias deste post surgiram de conversas com minha sábia e querida Fer)

Desde a infância a linguagem escrita me fascinou. Eu ainda nem sabia ler e já olhava encantado para as letras impressas. Sabia que aqueles símbolos encadeados, por algum mecanismo incompreensível para mim, contavam histórias, histórias como aquelas da minha avó. As histórias sempre foram sagradas para mim graças a ela. E o fato de poderem ser transportadas para o papel e eternizadas, isso para mim sempre foi (e é) um grande Mistério, no sentido religioso da palavra.
Como era de se esperar, logo que aprendi a escrever comecei a tentar dominar os rudimentos do processo que levavam as histórias da minha cabeça para o papel. No começo parecia impossível; aos poucos fui acertando, polindo, sempre guiado pelo que aprendia nos livros de Julio Verne e Conan Doyle.
Por algum tempo, do final da infância até o meio da adolescência, alimentei a quimera de um dia viver do que escrevia. De levar as emoções inventadas por mim para dentro do coração de outra pessoa, da mesma forma que fazia minha avó. Se não contava com o imbatível talento que tinha ela para engendrar histórias, tinha ao meu lado a vantagem da palavra escrita, que vai mais longe e dura mais tempo. Mas tanta gente ridicularizou o monstrinho que eu comecei a criar, tanta gente riu e ergueu as sobrancelhas, que eu acabei desistindo. É, eles tinham razão e a única vida possível era a vida de gado que eles levavam. Pois que viesse o cabresto, eu me juntaria ao rebanho.
Só que o monstrinho era mais forte do que eu pensava, e há coisa de três anos resolveu acordar. Primeiro timidamente, cuspindo frases aqui e ali, foi ganhando forças, criou um blog, depois outro, depois mais um e começou a bostejar seus textos para centenas de pobres e desavisados leitores.
Está aí a razão de toda a crise. Porque durante o tempo em que o monstrengo permaneceu sufocado, eu construí um arremedo de carreira no inglório ramo do suporte técnico de informática. E agora? Largar tudo? Mas em troca de quê? Essa vidinha aqui vicia. Aqui eu tenho pasto verde e água fresca. E fora daqui? Sei lá, o cabresto não me deixa ver! É como a tal Alegoria da Caverna do Platão, mas sem o seu glamour.
Eu não acredito no meu talento. Eu não gosto dos meus textos. Tiraram isso de mim. Tanto falaram que esse negócio de querer escrever era ridículo que acabei acreditando fervorosamente.
Mas eu quero tentar. Estou com quase trinta anos e ainda não fiz nada. Quero tentar escrever.

19 comments

  1. Cara, eu tenho 34, sou vendedor e agora, às 23:26 estou aqui, no seu blog, lendo e pensando, Caralho, esse cara escreve bem prá cacete! Eu imaginava que vc fosse escritor, jornalista, redator, ou sei lá o quê. Saber que vc trabalha com tecnologia e mantem um Jesus, Me Chicoteia só me anima a continuar sonhando tb com algo mais interessante que vender tecnologia.
    parabéns pelo texto e pela coragem.

  2. Nunca é tarde para aprender Bilú…a mãe de um amigo meu também não sabia escrever…e nem ler tadinha tinha que pedir prá turma dizer o nome de ônibus, bula de remádio e tudo…parada de votação ela preferia não votar a passar o constrangimento com essas novas urnas eletrônicas, mas ela fez escola noturna e com mais de 40 já sabe ler e escrever algumas coisas,tipo “Ivo viu a uva!”…não desista Fernandinho, vai firme que você vai conseguir!!!

  3. Velho e bom Marco Aurélio (um amigo que um dia terei): não sou mais velho que você, vivi muito menos experiências durante minha existência do que você nesse ano e pouco de JMC. Mas sei de uma coisa – e confirmei aqui, contigo – a gente não pode nunca e nem deve deixar de lado sonhos e vontades. Acabei de ler ali que a vida daqueles que te desencorajaram era a vida de cabresto, como eles poderiam te oferecer aquilo que não tiveram? Como eles poderiam deixar você viver um sonho, se eles mesmos foram proibidos quando, assim como você, teciam essas espectativas?
    Jogar tudo pro alto é romântico demais, querendo ou não, uma geladeira repleta ajuda a proseguir. Mas não é certo, nem justo contigo, deixar essa vontade que está te atormentando quieta num canto. Talvez passe, como muitas coisas passam, mas uma hora ela volta. E aquilo que volta junto com ela não é nada bom. É uma sensação de frustração horrível, sei como isso funciona…
    Não vou te aconselhar, nem tenho porquê fazer isso. Como já escrevi naquele comentário sobre Deus: sei da minha vida, conheço o que é bom pra mim. Não tenho direito de sair por aí indicando caminhos que eu mesmo não sei trilhar. Mas, de novo e sinceramente, acho que você tem que tentar. E, ao mesmo tempo, ir tocando essa vida de gado; primeiro pra ter com o que se sustentar, e depois pra poder jogar tudo pro alto com gosto. Porque não tenho a menor dúvida de que no que você se meter a fazer, fará bem e dará certo.
    Desculpe o livro, estava inspirado.
    Fica bem.

  4. Seus textos sao brilhantes – eu disse isso no mail que te mandei ontem, e nao fui o primeiro e nao serei o ultimo a dizer. Quase trinta ? Putz, que moleque ! Eu to com 36 e ainda me sinto um garoto. Todo mundo tambem dizia que eu nao devia nem tentar trabalhar no exterior (que era o meu sonho) porque eu ia quebrar a cara e coisa e tal. Mas eu fui “burro” e insisti – resultado, faz dois anos e meio que estou viajando pra cima e pra baixo, conhecendo novos lugares, povos e culturas. E nao tenho nem 10 por cento do talento que voce tem !! Concordo com o Tiago – jogar tudo pro alto e dificil (agora voce tem “alguma coisa” a perder, ne?), mas tente fazer as coisas em paralelo por um tempo. Aposto que um dia voce chega la, gloriosamente. E espero que entao me de um autografo.

  5. Cara, sua dificuldade não é, de forma alguma, escrever. Mas pra cabeça de alguém da área de exatas (eu incluso) não é fácil viver sem saber exatamente quantos centavos se vai ganhar ao fim do mês. Então te pergunto: será que para escrever e pra ser feliz com isso você precisa mesmo, logo de cara, largar do cabresto? Por acaso você já tem alguma oferta para escrever que exiga seu desligamento do atual emprego?
    Conheço alguns casos de gente que começou com dupla carreira; uma mais “segura” financeiramente e uma artística. Lebro agora de um médico/guitarrista, de um engenheiro civil/artista plástico e de um engenheiro mecanico/clarinetista. Com excessão do médico, os outros largaram das carreiras originais pra se dedicar à arte, mas depois de algum tempo. Manda ficha, meu caro. Um dia quero contar pros meus netos que costumava ler o blog daquele cara ali, na cadeira 18 da ABL.
    Inté,

  6. Concordo com que diz que você não deve “jogar tudo pro alto” ainda. Vá com calma, um passo de cada vez e do tamanho das tuas pernas, porque senão rasga! 🙂
    Que tal começar com uma compilação, à tua maneira, das histórias que a tua avó contava?

  7. oProfeTa!
    Um tanto qto melodramático, mas concordo contigo!! Se eu que não tenho talento algum penso em escrever alguma coisa, vc que é um cara talentoso nas letras demorou né?!?!?!?!

  8. oProfeTa!
    Um tanto qto melodramático, mas concordo contigo!! Se eu que não tenho talento algum penso em escrever alguma coisa, vc que é um cara talentoso nas letras demorou né?!?!?!?!

  9. Marco, partir de um blog para a vida profissional eh um passo grande. Pense bem e tenha certeza. Se tiver, de esse passo. A vida so vale se for feliz, cara.
    Pra que ficar fazendo algo que nao te satisfaz?
    Mas esteja certo de que comecar do zero eh dificil e vai exigir muito de vc. Com certeza ha muito a fazer.
    Falo com experiencia propria. Desisti da carreira de Administracao quando ja era supervisor financeiro de uma multinacional para assumir um cargo de programador na mesma empresa. Eh sempre um tiro no escuro, mas eu posso te garantir que no meu caso, valeu muito a pena.
    Boa sorte! Alguns contatos para tornar isso real eu sei que vc ja tem e sei tambem que eles gostam de voce!

  10. Como voce tem coragem de dizer que “naum gosto dos meus textos” ???
    Que isso rapaz ! Olhe a sua volta, quanta gente sem talento, sem chance, sem EMPREGO e sem ESCOLHA.
    Olhe pra si mesmo e veja, vc é talentoso, e creio que naum duvide disso, pois se naum tivesse talento, esse número de usuários on line aqui do lado naum passava de UM. Vc é uma grande pessoa, é sim. Mesmo sem te conhecer a gente consegue ver isso. Sabe dar valor aum emprego e a uma pessoa, ou até a um blog.Tsc…
    Me lembro uma vez que estava brigado com minha namorada e então fiz um post pra ela. foi meu primeiro post grande. Durante dois dias ninguém comentou nada. Quando ao menos esperar li lá “1 COMETÁRIO“, quando fui ver era o seu … e dizia:
    – Belo texto véio !
    Só isso, mais nada, mas voce naum sabe como fiquei quando o li, aquilo era um elogio, o cara do JMC me elogiou !
    Pra vc ver como suas palavras são importantes na nossa vida cara… Vc tem que tentar. Vc vai conseguir.
    Valeu.

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