A parábola da mesa

Ontem eu estava me lembrando dos musicais do Viva o Gordo, programa do Jô Soares na Globo durante a década de 80. Alguém mais se recorda disso? No final do programa sempre havia um musical com o elenco, geralmente com temas políticos. Lembro-me de Francisco Milani de bigode e jaquetão cantando, com o ritmo de He-Man: “Lalala-lalala-lalalalala-lala-lalala-lalalalá-SARNEY!”. E do próprio Jô de terno cinza amarrotado, gravata torta, camisa puída e olheiras imitando Antonio Ermírio de Moraes e cantando uma versão de “Com que roupa?”, de Noel Rosa.
Muito bem, mas por que fui me lembrar disso? Calma, já chego lá. O negócio é que uma vez houve um musical desses que tratava da imprensa. Não me lembro se falava mal ou bem, só sei que no final cada um dos atores vinha até a frente da câmera e dava uma boa notícia fictícia, como faz hoje a Dani no Mundo Perfeito. E uma dessas manchetes fantasiosas era: Os Trapalhões não vão mais se separar!
Ok, crianças, saiam da sala. Agora falo para as pessoas realmente velhas, que se lembram de quando os Trapalhões se separaram: o Didi manteve o programa nas noites de domingo, enquanto Dedé, Mussum e Zacarias apresentavam um outro, vespertino. Chegaram até a fazer filmes separados (sendo o do trio, Atrapalhando a SWAT, muito mais legal que o do Renato Aragão). Bom, imaginem a tristeza que foi para um moleque por volta dos sete anos de idade saber dessa separação. Como seria dali por diante? Como podia existir um mundo sem os Trapalhões?
E é aqui que entra a figura sempre ponderada do meu pai. Vendo minha tristeza ele veio falar comigo, muito sério:
— Marco, você está vendo essa mesa? Ela tem quatro pés e um tampo. Pode ser que um dia o tampo comece a se sentir mais importante que os pés. Talvez ele comece a achar que não precisa dos quatro para ajudá-lo. Que é ele a mesa. Mas a mesa não é o tampo, nem os pés. A mesa é o conjunto deles. Um tampo sem pés é só um pedaço de madeira. É isso que o Didi não percebeu ainda. Mas ele vai perceber, e os Trapalhões vão voltar. Entendeu?
É claro que eu havia entendido. E pouco tempo depois, quando os Trapalhões de fato voltaram a trabalhar juntos, percebi que meu pai conhecia muito bem a natureza humana.
E porque me lembrei dessa história? Porque domingo eu pretendo dar um presente legal para o meu pai, e foda-se que é uma data comercial. Eu só espero que, se um dia eu chegar a ser pai, tenha a capacidade e sensibilidade de levar a sério as angústias dos meus filhos. Do jeito que meu pai me ensinou.

30 comments

  1. – Marco, vou te explicar a parábola da mesa…
    ((décadas depois))
    – Marco, vou te explicar DE NOVO a parábola da mesa…
    – Sim, pai..
    – É o seguinte: conte uma história edificante e seu filho, grato pela lição existencial, dará sempre presentes bacanas nas efemérides comerciais!
    – Hunft…
    – Ah! Vai falar que isso não é conhecer a natureza humana?

  2. Acho que vc tem mesmo é que mandar qq filosofia à merda. Se tá com vontade de agradecer, parabenizar ou dar apenas um abraço no velho, vá lá e faça! Se alguém disser que é por convenção social, foda-se. O sangue de Jesus tem poder!

  3. Muito legal essa história. Me fez lembrar quando meu pai (que não existe mais a não ser na minha memória) me explicou por que é que a gente morre. Não vou contar aqui, isso é muito pessoal, mas teu pai é nota 10. Manda um abração pra ele.

  4. Que lindo.
    Assim como eu aprendi hoje que a resposta certa para se dar a uma filha de 3 anos, quando ela diz “Estou com medo do bicho papão” não é “Bicho papão não existe”, e sim, “Se ele vier, me chama que eu mando ele embora”.
    Conhecer as angústias dos filhos e saber lidar com elas.
    Um beijo, Marco

  5. Os Trapalhões tinham o hábito de fazer 1 filme a cada 6 meses. Na época em que brigaram o Mauricio de Souza fez o desenho animado “Os trapalhões no rabo do cometa”
    O qual eu acho o melhor filme deles.

  6. Pois é Marco a vida é assim, que bom que temos coisas prá nós lembrar e mostrar o quanto as pessoas são importantes prá nós. Prá turma da tiração de sarro sem sensibilidade e alma, um grande Foda-se…rs

  7. Compra o presente, beija, abraça e diz que ele é o melhor pai do mundo.
    Beijim.
    E antes que eu me esqueça, realmente velha é os enterfolhos do seu cu.

  8. Ah, esqueci de comentar o post: eu tinha uns 10 anos quando os Trapas se separaram…..
    Licença que eu vou ali na estética injetar botox e depois na farmácia comprar cálcio de ostras pra osteoporose.

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