Darwin e a indústria cinematográfica

Post hoc, ergo propter hoc. Não se assustem: trata-se de uma expressão latina que significa “aconteceu após um fato, logo foi por ele causado”.
(Sim, sim, meus amigos. Eu resolvi assumir de vez que não passo de um pretensioso sem-vergonha. E nada melhor que isso do que enfiar um pouquinho de latim aqui e acolá)
Um exemplo extraído de O Mundo Assombrado Pelos Demônios, de Carl Sagan, é a absurda frase “Antes de as mulheres terem o direito de votar não havia armas nucleares”.
Outro: recentemente um sujeito fez um blog de ódio contra mim. O fulano era tão certo de sua importância que exultou ao ver um aumento no número de visitas do JMC, dizendo que isso se devia à oposição feita por ele. À parte ser algo tristemente patético alguém dar esse tipo de importância a um reles blog, suas noções de causa e efeito estavam deturpadas: o aumento do número de visitas aqui devia-se exlusivamente a um surto que o Rafael teve na época que o fazia citar-me a toda hora. Felizmente o rapazinho foi curado e seu blog voltou à excelência de antes.
A crítica ao filme Extermínio, de Danny Boyle, que li hoje na Folha de S. Paulo cai na mesma falácia. O autor, Pedro Butcher (quase o nome do afilhado do Pantaleão, Pedro Bó), diz que o filme é “americanizado” e relaciona isso (de uma forma que ele deve achar sutil) ao estreitamento constante das ligações entre Bush e Blair que, de fato, daqui a pouco estarão dormindo juntos.
Eu não vejo tal relação. Mesmo porque a tal americanização não é recente nem se restringe ao cinema inglês. Assista ao espanhol Fale Com Ela, ao brasileiro O Homem Que Copiava ou ao mexicano Aos Olhos de Uma Mulher e você verá a repetição do fenômeno. Será que José Maria Aznar, Lula e Vicente Fox têm alguma coisa a ver com isso, na mesma medida em que Blair influencia na transformação do cinema britânico? Ou seria rebuscado demais?
O fato é que os culturetes freqüentadores do Espaço Unibanco de Cinema podem espernear e berrar à vontade que não conseguirão negar o óbvio: a importância e qualidade do cinema norte-americano e, mais do que isso, a sua grande (ai!) penetração (ui!) em todas as brechas (gozei). Sendo assim, é natural que ocorra uma evolução na forma de se fazer cinema em todo o mundo, que se aproxima cada vez mais do padrão americano. É o Darwinismo aplicado à indústria cinematográfica. É ruim? É bom? Sei lá! Meu único medo é começarem a surgir filmes adolescentes iranianos. A substituição de belas americanas burras, peitudas e peladas por iranianas com olhar penetrante que deixam entrever uma nesga de tornozelo seria muito frustrante.

13 comments

  1. Marco, acho que essa história de americanização (às vezes verdadeira) tornou-se o clichê mais à mão, em tempos de guerra, para críticos com preguiça de pensar. O cara diz que o filme está “contaminado pelo neoconservadorismo da era Bush” e acha que isso lhe confere um certificado de inteligência (já perdi a conta das vezes que o Sérgio Dávila, também da Folha, usou essa expressão). A ligação entre obra cinematográfica e contexto não é assim automática -arrisco-me a dizer que, no caso dos bons filmes, nunca é assim. Enfim, Pedro e Sérgio fariam melhor contribuindo para o Homem-Chavão. Abraços.

  2. essa americanização não ocorre só no cinema, nem é nenhum lance recente (vide a nossa Carmen Miranda). o que ocorre principalmente em países como o Brasil é uma incrível subvalorização da nossa cultura, mais por causa do descaso dos governos com a própria educação de seu povo, abrindo assim espaço para a massificação yankee e o uso subsequente de seus enlatados para criar toda aquela idéia de país da liberdade e da justiça q eles tão cinicamente exploram!!! mas prá mim isso não tem a menor importância!!! toco numa banda de heavy metal e me amarro no Cartoon Network!!!

  3. Sejamos objetivos. Alemães fazem carros maravilhosos, os brasileiros são os melhores jogadores de futebol do mundo, o chocolate suíço é o melhor que existe e o cinema americano é bom pra c…lho. È lógico que lá e cá sai uma tranqueira, mas o Palmeiras tá na segundona e o Fusca foi projetado pelo Ferdinand Porshe…É legal combater o imperialismo, o megacapitalismo supracorporativista (??) e coisa e tal. Mas se pra isso for preciso assistir filmes suecos onde tudo é simbólico, e sempre está escuro e chovendo…no, thanks

  4. Cada pessoa dependendo da motivação chama esse processo por um nome diferente. Americanização, Darwinismo Cinematográfico, Geleia Geral e por ai vai. Para mim é simplesmente o resultado de: muita comunicação no mundo* + falta de assuntos = todos roteiros parecidos. Por acaso tá tudo ficando com a cara dos EUA pq são eles que mandam mesmo, ora bolas.
    * essa falta de assunto já foi chamada de crise mundial de criatividade ou de abundancia de roteiros merdas, dá no mesmo tb…

  5. Eu não assisti ainda mas, pelo que já li, esse Extermínio não é uma refilmagem de A Última Esperança Sobre a Terra (filme baseado no conto Eu Sou a Lenda)?
    Se for, é um legítimo filme americano, ora. O original tinha até referência a Woodstock…

  6. A única coisa que EXTERMÍNIO tem de americano são as referências (aka PLÁGIO) à George Romero. Butcher viajou.
    E creio que o papo de americanização foi bastante diluído por esses mocinhos (Pedro Açougueiro e Sérgio Dávila, principalmente). Virou chavão mesmo.
    A “americanização” do cinema pode ser uma verdade hoje em dia, mas esse fenômeno (se é que assim pode ser chamado) está longe de atingir TODO o cinema mundial. Papo de crítico que não sabe o que falar, óbvio.

  7. bicho, não achei Fale com Ela tão amercanizado assim não!
    o filme consegue tratar relações pessoais de uma forma que hollywood jamais consiguirá.
    Não é um Almodóvar tão bom quanto Tudo Sobre Minha Mãe ou Mulheres à Beira… mas achei o filme muito bonito!

  8. Não vejo problemas em usar técnicas norte-americanas em filmes de qualquer nacionalidade desde que tenha conteúdo. O que é extremamente errado é a supervalorizar a cultura norte-americana, ou qualquer cultura estrangeira, e desvalorizar a cultura brasileira. O que acontece no Brasil é o seguinte: está em cartaz o pior filme americano dos últimos dez anos e um filme brasileiro maravilhoso, o público desconhece os dois, pois, por motivos diferentes, não tiveram muita publicidade. Qual dos dois a maioria do público se “arriscará” a ver? No geral, a grande maioria do público brasileiro, quando não consegue entender um filme nacional ou não americano, considera o filme ruim. Mas, quando o filme é americano, ela disfarça bem, acha que o problema é com ela e não com a qualidade do filme (“Somos o terceiro mundo: sempre desatualizados, atrasados…”) e sai elogiando. Os norte-americanos podem ter muita muita técnica, mas, em muitos casos, não conseguem ter mais do que isso. Portanto, aproveitemos o que eles têm de bom!

  9. O que seria uma “evolução na forma de se fazer cinema”? Estamos evoluindo? Progredindo? E quem não evolui, regride, retrocede? Darwin foi muitas vezes (re)interpretado.

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