Espuma

— Marco, o que você acha de terminar de pagar meu carro?
— Acho uma péssima idéia.
— Peraí, vamos negociar. Eu te dou o terreno na Serra dos Cristais.
— Aquilo não vale nada, pai.
— Mas tá valorizando! Tá valorizando!
Meu pai sempre tenta enfiar esse terreno da Serra dos Cristais em tudo que é negociação. Na época que eu namorava ele perguntou se eu não queria construir minha casa lá. A Bárbara não gostou muito da idéia, com razão: É um terreno no alto do morro, longe de tudo. Bom, de tudo não: é pertinho da cidade de Pirapora do Bom Jesus. Nomezinho bucólico, não? Pois é. Só que a cidadezinha sofre há anos com a espuma de detergente do rio Tietê. Lembro-me que quando meu pai comprou o terreno, em 1982, a espuma já estava lá. O vento que vinha do rio para a estrada trazia flocos de espuma suja, que grudava no pára-brisa dos carros. Era uma coisa nojenta de se ver.
Achei que esse problema não existisse mais, daí meu susto ao ver no Estadão esta semana as fotos da espuma invadindo Pirapora. Como bem reparou meu amigo Panda, as fotos parecem cenas de filme de ficção daqueles bem ruins. Uma cidade invadida pela espuma, que tipo de imbecil escreveria um roteiro desses? Pois não precisamos de roteiro nenhum, fica a apenas 54 quilômetros de São Paulo. O detergente é biodegradável mas, como diz a matéria, não se dilui em água sem oxigênio. E a água do Tietê — todo paulistano tem orgulho de dizer — tem nível ZERO de oxigênio.
Terreno na Serra dos Cristais? Melhor vender pra prefeitura de Pirapora. Porque logo logo eles vão ter que mudar a cidade para o alto do morro. Só assim para conseguirem fugir da espuma.

18 comments

  1. Ei, olhando essa foto por esse ângulo parece a praça central de Innsbruck na primavera.
    Mas essa neve é bem escrota . . .
    Inté,

  2. Quando eu morava em Sampa, tive que ir um dia em Santana do Paranaíba. Esperava encontrar uma bucólica cidade (ela é em parte), mas no meio do caminho passei pela barragem que fica no Tietê, e o cheiro é insuportável.
    Não se fazem mais cidades bucólicas como antigamente.

  3. Aí… você já viu o noticiário hoje? Essa madrugada a espuma soterrou (sotespumou?) a cidade toda, parecia filme de terror, a coisa invadindo ruas e praças, as pessoas correndo pra lá e pra cá, a praça central debaixo de 5 metros de espuma tóxica e só a copa umas palmeirinhas de fora. Aí vem a reporter e fala, parece só espuma né? Errado tá vendo essa folha de papel branca? Vou botar na espuma pra você ver… aí põe a folha na espuma e a folha sai… preta. E ainda tem mais: ela diz: ah sim… esse treco também exala gás sulfidrico, a criançada vive no pronto socorro. Caralho! Como é que pode?! O Alckimin tava indo pra lá agora de tarde.

  4. Há há Há…Todo mundo entra neste papo da Cetesb da espuminha , mas ela contém ácido nítrico proveniente de esgoto e é tóxica.

  5. Legal o seu texto.. Lembra um pouco as crônicas do Nelson Rodrigues, que sempre começam com um comentário banal pra discutir outras questões que não têm nada a ver com o comentário original… Veja, eu disse UM POUCO!!

  6. Olha, eu já não tava muito bem da cabeça antes de visitar seu blog hj, mas esse post contrubuiu pro meu estado depressivo.
    Que coisa horrorosa ver uma cidade inundada com espuma desse jeito. Não consigo pensar num inferno mais irônico do que esse.

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