A revolta de Coré, Datã e Abirão (Números 16)

— Coré, Datã e Abirão??? QUE NOMES!
Porra, se vocês forem se assustar com tudo que é nome estranho que aparecer na Bíblia, a história não vai pra frente. Humpf…

Esse tal Coré era um coatita. Coatitas, lembram? Um dos três grupos de Levitas. Então. Esse Coré aí começou com umas idéias estranhas e logo conseguiu convencer três caras da tribo de Rúben: Datã e Abirão, dois irmãos, filhos de um tal Eliabe, e Om, filho de Pelete. Esqueçam Om, porque ele não é mais citado no resto do capítulo, então é melhor a gente fingir que ele nunca existiu. Como eu disse, a Bíblia é cheia dessas.
Pois muito bem, Coré, Datã e Abirão começaram a conspirar e conseguiram juntar sob sua liderança 250 homens, todos eles respeitados na comunidade. Sentindo-se seguro com tamanho apoio, Coré juntou os 250 líderes e foi falar com Moisés e Arão.
— Aê, cês dois, tá na hora de parar com essa putaria! Deus escolheu foi o povo inteiro, então quem cês pensam que são pra quererem mandar no povo de Israel?
Moisés já sabia como reagir nessas situações: tratou logo de ficar de quatro e tentar se defender:
— C-calma, gente! A-amanhã ce-cedo a ge-gente faz uma gi-gincana pra v-ver quem é q-que Ja-Javé quer que m-mande a-aqui, ou se e-ele c-concorda com a a-anarquia que v-vocês p-propõem. P-porra! O Ja-Javé deu a v-vocês l-levitas o p-privilégio de s-servirem no T-Tabernáculo. I-isso não b-basta pra v-você, C-Coré?
— Eu só falo na presença de Datã e Abirão.
— Hu-hummmm, s-santa! Tá b-bom e-então, v-vou m-mandar ch-chamar seus a-amiguinhos.
Moisés mandou um moleque com um recado para Datã e Abirão: Ambos deviam comparecer ao Tabernáculo imediatamente. Meia hora depois volta o moleque, sem Datã nem Abirão.
— C-cadê os c-caras?
— Vieram não.
— C-como não???
— Disseram que o senhor e o Arão são dois charlatães, que vocês tiraram o povo de uma terra boa rica só pra todo mundo morrer no deserto e não sei o que mais. E falaram que o senhor não manda neles, e então não vieram.
— P-puta que p-pariu! E-eu n-nunca p-prejudiquei n-nenhum d-d-d-desses c-caras, o que e-eles q-que-querem de mi-mi-mi-mim??? P-P-PO-PO-PORRA! C-Coré, é o s-s-s-seguinte: a-amanhã v-você e s-seus ho-homens vão t-trazer i-incenso pa-para ser q-queimado no a-altar. A-Arão t-também vi-virá. Aí a g-gente vê q-quem é que o Ja-Javé a-ap-ap-appóia.
— Eita, Moisés, tá com medo mesmo, hein? Tá até gaguejando mais do que de costume. Pode deixar, amanhã cedo a gente vem pra cá participar dessa gincana de incenso. Por mim seria hoje mesmo, estou ansioso pela hora em que verei você e Arão destituídos do poder que alcançaram ilegitimamente, explorando as classes trabalhadoras, especulando com os tesouros do Tabernáculo, mantendo uma ditadura baseada no terror e no…
— T-tá b-bom! E-esse p-papo de c-comunista de ú-última hora c-cansa, s-sabe?
— Humpf. Nos vemos amanhã.
No dia seguinte Coré foi com seus seguidores até a porta do Tabernáculo, cada um trazendo seu queimador de incenso. Moisés e Arão já estavam esperando. Depois que todos se acomodaram, a voz de deus foi ouvida de dentro da Tenda Sagrada:
MOISÉS! ARÃO! Saiam do meio desse povo sem-vergonha aí, que é hoje que eu vou matar geral!
— Ô Ja-Javé, t-também não é a-assim…
— Verdade, Javé. Vai com calma. Por causa de meia dúzia você vai acabar com o povo todo? Pô, que exagero!
— Ai meu saco, é sempre assim… Tá bom, tá bom. Mas avisem aos israelitas para se afastarem das tendas de Coré, Datã e Abirão.
Moisés e Arão mandaram a ordem correr pelo acampamento. O povo, que já conhecia bem os ataques de ira de Javé, tratou logo de se afastar das tendas dos três, que ficaram isolados com suas famílias. Fez-se o silêncio no acampamento… Silêncio absoluto. Até o vento parou de soprar… Não se ouvia nada, nem um pio.
— PIU!
CALABOCA, CARALHO! Humpf.
Depois de alguns minutos de desconforto causados pela quietude, Moisés resolveu falar:
— V-vocês v-viram o q-que e-esses c-caras fi-fizeram. P-pois m-muito b-bem: Se n-nada acontecer a e-eles a-agora, e-então é p-porque e-eles e-estão certos e eu não f-fui e-escolhido por d-deus nem n-nada. M-mas se a-acontecer a-alguma c-coisa esquisita…
Moisés não teve tempo de terminar: a terra se abriu enquanto ele gaguejava seu discurso e tragou Datã, Abirão e suas famílias, assim como Coré. O povo entrou em pânico, naturalmente: “A terra vai engolir a gente também”, “Socorro”, “Ai, minha Nossa Senhora!”, que nessas horas a gente apela até para entidades de outros lugares e épocas. Mas o showzinho de Javé ainda não tinha terminado: O gran finale foi uma rajada de fogo que matou os 250 seguidores de Coré.
E assim, da forma pacífica e democrática de sempre, foi resolvido mais um conflito no acampamento dos hebreus. Sempre preocupado com o aspecto ritualístico de tudo, Javé foi falar com Moisés:
— Hehehe. Mandei bem nessa Moisés, fala sério! Muito boa, muito boa! Eu me supero!
— Ja-Javé, o p-povo e-está de l-luto…
— Luto por aqueles mequetrefes? Não merecem! Bom, mas nem é disso que eu quero te falar. Seguinte: fala praquele filho abestalhado do Arão, como é mesmo o nome dele?
— E-Eleazar.
— Esse um. Fala pro Eleazar recolher do meio dos restos do incêndio os queimadores de incenso que os tais revolucionários empunhavam no momento em que morreram. Os queimadores de incenso são sagrados, você sabe. Então vocês vão mandar fundir os queimadores e fazer com o metal deles finas lâminas. Depois vão usar essas lâminas para fazer uma cobertura para o altar. Isso servirá como memorial do que aconteceu aqui hoje. Assim vocês vão se lembrar que só os descendentes de Arão podem queimar incenso aqui. Incenso é coisa sagrada, porra.
Moisés passou a ordem a Eleazar, que começou a recolher os queimadores de incenso do meio das cinzas.
Tudo aparentava voltar à normalidade. Mas quem disse que esse povo consegue viver sem revoltas? Impressionante! Deve ser por causa do tédio no meio do deserto, sei lá. O fato é que já no dia seguinte começou a agitação no acampamento. O povo acusava Moisés e Arão pela morte de Coré, Datã e Abirão (e o tal de Om, hein? Tá, tá, esqueçam o Om), além dos 250 “revolucionários”. Não deixavam de ter razão: Moisés sabia de antemão que Javé levava muito a sério esse negócio de incenso — lembremo-nos de Nadabe e Abiú — então por que desafiara os caras para um torneio de queima de incenso? Se o incenso queimado por mãos erradas fôra a causa da chacina — era o que aparentava — então de fato Moisés e Arão podiam ser considerados culpados.
É, mas quem tem padrinho não morre pagão: Vendo que o povo se revoltava novamente, deus não quis nem saber do que se tratava. Foi logo gritando:
MOISÉS! ARÃO! Agora não adianta vocês implorarem pela vida desse povinho aí, que é hoje que eu acabo com tudo.
Dessa vez parecia tudo perdido mesmo. Javé estava mais disposto do que nunca a cumprir sua ameaça de acabar com o povo que escolhera. Porém Moisés, numa súbita inspiração, resolveu tentar um último truque:
— Arão, rápido! Pega seu queimador de incenso, bota umas brasas do altar nele e vai pro meio do povo oferecer incenso pra acalmar o Javé. Ele gosta tanto desse cheiro que é capaz de desistir de matar todo mundo.
— Moisés! Cê não tá gaguejando!!! MILAGRE!
— O q-quê? C-como???
— Nada não, esquece.
— V-vai r-rápido, A-Arão, que a e-epidemia já e-está co-começando.
Uma cartada desesperada, é verdade, mas como bem disse o apóstolo Paulo milênios depois, o que é um peido para quem está cagado? Além do mais, algumas pessoas já começavam a passar mal, a vomitar e desmaiar. Em poucos segundos a epidemia mandada por deus já fazia seus primeiros mortos.
Arão, que de besta só tinha a cara e o jeito de ser, correu o mais que suas octagenárias pernas permitiam para fazer logo o que o irmão propusera. Já no meio do acampamento, com o queimador de incenso erguido acima da cabeça, esperava aplacar a ira de deus:
— Oooooolha, Javé! Incenso! Incenso cheiroso! Ó, que gostoso o incenso. Agora calma, Javé… Caaaaaaaaaaaaalma… Caaaaaaaaaaalma… Caaaaaaaaaaaalma…
E não é que a idéia estapafúrdia de Moisés deu resultado? A epidemia parou de se alastrar, deixando um saldo de catorze mil e setecentos mortos. Coisa pouca! Ah, e não nos esqueçamos dos 250 de antes, além de Coré, Datã, Abirão e Om.
Não, Om não. Tem nenhum Om nessa história.
Ahan.
Então. E tudo isso por causa de incenso, vejam vocês! Eu se fosse hare-krishna tomava mais cuidado…

10 comments

  1. Aqui no Rio tem um lugar chamado Sana, bem no ineriorsão de Macaé, onde o insenso é liberado, bem como o chá de cogumelo e trombeta (que é uma delícia) e nem por isso a guarda municipal, ou qualquer outra autoridade, ou um daqueles ultimos Hipies esquecidos naquele paraíso natural, foram fuminados ou engolidos pela terra. Tudo bem que as vezes rola de eles pularem numa cachoiera muito pedregosa de cabeça, mas nada muito frequente…

  2. Só para dizer que vc mandou bem de novo, seu Javé me lembra um hipie muito do revoltado!!! Nada muito diferente de mim em dias de TPM, mas no meu caso, nem incenso, nem calmante.

  3. Tá certo, tem que levar a palavra de forma que as pessoas entendam mesmo, simples, claro e objetivo, mas acho que palavrão é desnecessário… Você acha que Moisés seria escolhido de Deus se ele ficasse falando palavras torpes?
    Deus não anda pra lá e pra cá com um caderninho pra anotar tudo de errado que você faz ou pretende fazer.. mas ele é justo! vigia irmão 😉

  4. Parabéns pela linguagem simples e objetiva que você tem para abordar um texto, mas é uma pena você usar de uma forma imoral com palavrões ridicularizando a santidade de Deus. Na boa, cuida ai cara, Deus é amor mas é muito justiça também…

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