A revolta do povo (Números 14)

Como eu ia dizendo, o desânimo do povo com as más notícias trazidas pelos espiões não demorou a transformar-se em revolta. Naquela mesma noite o que mais se ouvia no acampamento dos israelitas era nego choramingando. Então foram reclamar com Moisés e Arão. E estavam MUITO putos:
— Então foi para isso que vocês tiraram a gente do Egito? Para morrermos nas mãos dos cananeus?
— Onde é que Javé estava com a cabeça??? Agora nós vamos todos morrer na guerra e nossas mulheres e filhos serão levados como prisioneiros.
— Seria muito melhor a gente desistir enquanto há tempo e voltar pro Egito.
— Boa idéia! Por que a gente não escolhe outro líder e volta pro Egito?
A idéia foi ganhando corpo entre os hebreus. Moisés e Arão, percebendo que o negócio não estava nada bom pro lado deles, jogaram-se de joelhos e cara no chão implorando a piedade do povo. Que velhos bundões! Ainda bem que novos líderes começavam a surgir: Calebe, o único dos espiões que vira a conquista de Canaã com bons olhos, e Josué, que resolvera passar para o lado dos otimistas.
Aliás, permitam-me corrigir um erro: Lembram no último capítulo, quando eu disse que Moisés trocou o nome de um tal de Oséias para Josué? Pois tratava-se daquele mesmo Josué que já conhecemos faz tempo, office-boy de Moisés. Desculpem a falha, mas é que essas idas e vindas da narrativa bíblica às vezes me confundem a cabeça.
Mas como eu dizia, Josué e Calebe tiveram uma atitude de homens de verdade, ao contrário de Moisés e Arão:
— Filhos de umas quengas! A terra que a gente foi espionar é muito boa. Se Javé ajudar, a gente entra lá e chuta a bunda dos cananeus.
— É, mas cês têm que têm que tomar mais cuidado, porra! Cês ficam aí falando de voltar pro Egito e não sei mais o quê. Javé teve um trabalhão pra tirar a gente de lá, e vai ficar muito puto se vocês continuarem com essa choradeira. E vocês sabem como é quando ele fica bravo, pode acabar sobrando pra todo mundo.
O discurso continuaria, mas o povo começou a pegar pedras para jogar nos quatro. Agora imaginem: Quatro homens (sendo que dois eram velhos e estavam na posição em que Napoleão perdeu a guerra) diante de milhares de homens furiosos e de pedra na mão. Parecia tudo perdido, o povo ia voltar para o Egito por bem ou por mal.
Mas eis que todos viram um clarão sobre o Tabernáculo. Era deus que acendia seu baseado.
Vãopará com essa putaria aí! Moisés, vem aqui que eu quero conversar com você.
Moisés levantou a cara do chão e respondeu:
— Daqui a pouco, Javé.
Eu disse AGORA!
— É q-que… S-sabe c-como é… D-deixa eu p-pelo me-menos ir a-a-a-até a minha t-tenda t-trocar de t-t-túnica. Acho que me c-c-ca… c-ca-caaaaa…
— Tá, tá, já entendi. Puta que pariu. Vai lá, e toma um banho.
Quinze minutos depois, já limpo, Moisés dirigiu-se à Tenda Sagrada.
— P-pode dizer, Ja-Javé.
Moisés, eu já fumei unzito aqui e nem assim me acalmei. Dessa vez foi a gota d’água. Eu não agüento mais, para mim chega. Vou mandar uma epidemia mais forte que aquela última, e matar esse povo todo. Mas você, Moisés, vai sobreviver, e aí eu começo todo o meu projeto de novo: Vou fazer dos seus descendentes uma grande nação, muito maior e mais forte do que esse povinho sem-vergonha de Israel.
— Hum… F-fico m-muito ho-honrado, Ja-Javé, m-mas…
— Mas…?
— V-você já i-imaginou a re-repercussão d-disso?
— Repercussão???
— É. I-imagina os j-jornais do E-Egito: “D-DEUS I-INCOMPETENTE M-MATA S-SEU P-POVO NO D-DESERTO”. E o p-povo das t-terras p-por o-onde p-passamos até a-agora? V-vão dizer q-que vo-você m-matou os i-israelitas p-porque não foi c-capaz de l-levá-los até o s-seu d-destino.
— Hum…
— P-pensa bem, Ja-Javé. P-perdoa o p-povo, e-esquece i-isso.
— É, Moisés, acho que você tem razão… MAS ISSO NÃO PODE FICAR ASSIM! Já que você me pediu para perdoar, e considerando que você é meu truta, eu perdôo. MAS SÓ POR SUA CAUSA! Mas é o seguinte: Nenhum desses homens viverá para entrar na Terra Prometida. Esse povo me viu fazendo as coisas mais extraordinárias e mesmo assim vive me torrando o saco. Então ninguém vai entrar em Canaã porra nenhuma.
— N-ninguém?
— Hum… Bom, o Calebe vai. Esse cara tem colhões.
— E o J-Josué?
— Josué, Josué… Bah, depois eu vejo. O Josué só mudou de idéia depois, não sei se ele é confiável.
— E A-Arão e eu?
— Vocês dois? Sei lá, depois eu vejo isso! Agora tenho coisa mais importante para falar: Os israelitas não ficaram com medo dos amalequitas, dos cananeus e de todos os outros caras? Pois diga a eles que podem dar meia volta. Vocês vão voltar para o deserto, na direção do Mar Vermelho.
— U-ué. V-vamos v-voltar pro E-Egito???
— Depois do trabalho que foi pra tirar vocês de lá? Tá louco? Não, tenho outra coisa em mente. Como eu disse, esses homens aí não vão entrar na Terra Prometida. Ninguém com mais de vinte anos sequer verá Canaã. Exceto pelo Calebe. E pelo Josué, vá lá. Esses dois eu deixo. Os outros vão ficar vagando pelo deserto durante quarenta anos, um ano para cada dia em que os espiões ficaram em Canaã a troco de nada. Vão todos morrer no deserto, e não haverá memória da existência deles.
— P-porra, Ja-Javé, p-pega l-leve.
— PEGA LEVE É O CARALHO! Ainda tô dando chance a vocês! Além do mais, quarenta anos passam voando. Pelo menos para mim… Hehehe.
— Hum… M-mas e os e-espiões? E-eles já v-viram a T-Terra P-Prometida.
— Ah, isso eu resolvo rápido.
— C-como?
— Oras, como! Vou matá-los todos, menos Calebe e Josué, é claro.
De fato, os outros dez espiões foram atacados por uma doença e morreram em pouco tempo. Mas ninguém deu trela, porque a triste notícia já corria o acampamento: Israel era um povo condenado a vagar pelo deserto por quarenta anos, sem direito a apelação. Uma perspectiva lúgubre. Alguns israelitas resolveram, como se diz, tentar botar a tranca depois do arrombamento:
— Vamos consertar nosso erro! Vamos entrar na região montanhosa e conquistar aquela terra. Javé vai ver nosso arrependimento e vai voltar atrás.
Moisés, que conhecia Javé como ninguém, ainda tentou dissuadi-los dizendo que já não adiantava nada, que Javé já decidira e agora cabia a eles apenas cumprir sua condenação. Mas eles foram mesmo assim. E é claro que a tentativa foi um fiasco; os amalequitas e cananeus botaram os rebeldes para correr, e eles correram até um lugar chamado Horma.
Triste situação a do povo de Israel. Chegaram tão perto de Canaã e agora, condenados pela ira de um deus temperamental, deveriam voltar quase o caminho todo, e passar os quarenta anos seguintes andando em círculos pelo deserto. Isso é que é deus bom e misericordioso, o resto é conversa!

7 comments

  1. Cara,
    Cheguei aqui por intermédio de uma amiga em comum (amiga de verdade para ambos), mas não volto mais.
    Pode guardar suas energias ou gastá-las com coisas mais produtivas.
    Seu site, sua casa, suas regras.
    Felicidades!!

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