Os 70 líderes e as codornas (Números 11:4-35)

Como é de se imaginar, a multidão dos israelitas atravessando o deserto não demorou a chamar a atenção de aventureiros. Depois de mais de um ano fora do Egito, era normal que houvesse entre os hebreus muitos estrangeiros. Isso era bom por um lado: mais soldados para as guerras que viriam. Havia, no entanto, algumas desvantagens, como o fato de não terem o menor compromisso com o deus esquisito de Israel.
E foram justamente os estrangeiros que começaram a crise reclamando da falta de carne. Ah, se tivéssemos carne para comer… Ah, um bom filé agora… Ah, uma coxinha de galinha… Em pouco tempo os israelitas se deixaram contaminar pela insatisfação:
— Puxa vida, é verdade. Uma carninha agora ia bem.
— Verdade. Lembra do Egito? Lá a gente comia peixe à vontade.
— E de graça!
— Pois é! E não era só isso. Lembra dos melões que a gente comia lá?
— Hum…. E as verduras? Um alho, uma cebolinha…
— … um pepino…
— Ai, bicha!
— Não enche, porra.
— Hehehe. Pois é. Mas e agora, o que é que a gente come?
Maná! O tempo todo é só maná!
— Um inferno! Maná com leite de cabra de manhã. Maná com água no almoço. Maná puro no jantar. Aos fins-de-semana, pão de maná.
— Maná, maná, maná! Eu quero saber quem é o nutricionista desta porra aqui. Meus filhos estão ficando amarelos de tanto comerem maná.
E etcetera e coisa e tal e blablablá. A choradeira do povo foi ficando insuportável. Moisés, um velho com mais de oitenta anos encarregado de liderar um povo tão chato até a Terra Prometida, resolveu que era demais para ele e foi queixar-se ao patrão:
— Ja-Javé, é o s-seguinte: E-eu te f-fiz a-alguma c-coisa? P-porque i-isso aqui só p-pode ser c-castigo. S-sacanagem. Ô p-povinho ch-chato! P-por a-acaso eu p-pari essa ge-gente t-toda? E-então p-porque vo-você q-quer que eu ca-carregue e-esse p-povo no c-colo até a C-Canaã? A-agora tão q-querendo c-carne, e o-onde é que eu v-vou a-arrumar c-carne pra t-tanta gente? Na b-boa, eu s-sozinho não d-dou c-conta. Se é p-pra me t-tratar a-assim, tem dó e m-me m-mata l-logo. A-assim não d-dá.
Javé, que como vimos há pouco já andava meio puto com aquele povo, respondeu:
— Puta que pariu, Moisés, que cê quer que eu faça? Cê não tá agüentando liderar o povo sozinho? E por que não falou antes, porra? Seguinte: Você vai reunir setenta homens competentes, escolhidos dentre os mais respeitados dos israelitas. Então você os levará até o Tabernáculo, eu virei falar com você e darei a eles um pouco do talento que dei a você, para que o ajudem nesse trabalho. Quanto a esse povo aí, cê vai falar pra eles tomarem um bom banho e vestirem suas melhores roupas. É carne que eles querem? Pois pode dizer que amanhã eles vão comer carne. Não vão mais lembrar do quanto era bom no Egito, porque aqui será melhor. E vão comer carne amanhã, e depois, e a semana toda. Ah, quer saber? Eles vão comer carne sem parar por um mês, até que comece a lhes sair pelos narizes e que peguem nojo de carne. E vão ter que comer, hein? Se não comerem, enfio-lhes cu adentro. Esse povinho bunda só aprende assim mesmo…
— Ô Ja-Javé, não vi-viaja. E-estou le-levando 600 mil ho-homens adultos, s-sem contar m-mulheres n-nem c-crianças. O-onde é q-que eu v-vou achar t-tanto bi-bicho pra m-matar e d-dar c-carne por um m-mês a e-esse p-povo t-todo?
Moisés, cê tá me tirando??? Tá achando que eu sou suas negas? Eu sou é deus, tá me ouvindo? DEUS!!!
— Tá, tá, c-calma… S-santa…
— O QUE VOCÊ DISSE???
— N-nada n-não.
— Humpf. Some da minha frente antes que eu acabe com a tua raça. Vai logo escolher os setenta líderes.
E assim fez Moisés, que não era besta nem nada, tratou logo de escolher seus auxiliares. Uma vez escolhidos, foram todos reunir-se ao redor do Tabernáculo. Então deus veio, deu uma olhada, fez uns passes de mágica e pronto: Os líderes adquiriram os talentos de Moisés. Começaram até a falar gaguejando, mas isso só por um tempo.
Acontece que dois dos ajudantes que Moisés havia escolhido — chamados Eldade e Medade — acharam melhor ficarem em casa do que irem até aquela reunião chata no Tabernáculo. Apesar disso, começaram a gaguejar também. Um moleque dedo-duro que viu o que acontecia foi correndo contar o que estava acontecendo a Moisés. Josué — de quem não ouvimos falar há muito tempo, mas que continuava como ajudante de Moisés — não se conteve:
— Aí, Seu Moisés, os caras tão te imitando lá no acampamento. Vai deixar? Vai deixar?
— P-porra J-Josué, n-não e-enche. Se c-cada g-gago que t-tiver no m-meio do po-povo vier me a-ajudar, e-eu quero mais é q-que t-todo mundo s-seja g-gago. Hu-Humpf.
Enfim, apenas um incidente sem importância, e voltaram todos para suas barracas.
No dia seguinte logo pela manhã começou uma ventania repentina, seguida pelo barulho de coisas caindo. O que é? O que será? Cada um saiu de sua tenda para ver, estupefato, codornas sendo trazidas pelo vento e caindo por todo lado. Era codorna que não acabava mais: se espalharam por uma área de uns 900 km², formando pilhas que chegavam a um metro de altura. Por dois dias inteiros o povo todo trabalhou catando codornas, e não houve um que juntasse menos de uma tonelada. E assim começaram a comer carne até enjoar.
Pois vejam só, Javé cumpriu sua promessa. Que deus bom, não? Isso é que é deus, o resto é conversa!
Hum… Não é bem assim. Porque ainda havia muita codorna pra se comer quando Javé teve um de seus inexplicáveis ataques de ira e castigou os israelitas com uma epidemia. Muitos morreram, e aquele lugar foi batizado de Quibrote-Ataavá, que em hebraico significa “As Sepulturas do Desejo”. Aliás, belo nome para um filme de terror pornô.
De uma forma ou de outra, serviu para o povo calar a boca por um tempo. Saíram dali em silêncio e foram acampar num lugar chamado Hazerote.

4 comments

  1. Rapaz…não é que consegui ser o primeiro a comentar?
    Agora sim…capítulo 11 na íntegra…se bem que dei uma checada no original agora e acho que você realmente nem fez muito esforço…
    Mantenha o ritmo dos posts…preciso ler alguma coisa inteligente (pqp…puxa-saco do caralho) de vez em quando. Com licença…agora vou tapar o nariz e assistir o programa da Galinheu.

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