A volta dos que não foram

Com a reforma do andar, o fumódromo passou a ser do lado oposto do prédio. Fui para lá, acendi meu cigarro e fiquei olhando pela janela. Instantes depois ele veio descendo em seu vôo circular.
— Ô mané! Andou sumido!
— É, as coisas mudaram por aqui. E tenho trabalhado muito.
— Sei. Pô, agora não tem mais como você ficar olhando o rio esperando ver suas queridas capivaras, né?
— Não ligo. Daqui eu vejo a Hípica, o mar de prédios, até a Paulista.
— Bah, essa sua cidade é horrível. Vista do alto parece um câncer que vai corroendo aos poucos o verde que há em volta.
— É, já vi São Paulo de cima. É feia mesmo.
— Pois é. Por falar em câncer, quando é que cê vai parar com esse vício?
— Quando passar a tristeza.
— Xi, tá ferrado… Bom, você já esteve numa sala de espera de quimioterapia, sabe como é. Não falo mais nada.
— Como você sabe disso?
— Cê é muito burro, hein? Eu sei o que você sabe. Já disse isso.
— É verdade. Mas ainda não entendi.
— Oh, que surpresa… Bom, mané, vou embora.
— Não vai querer um cigarro?
— Não estou a fim de morrer. Além do mais, odeio Lucky Strike. Tchau.
E saiu voando na direção do rio.

15 comments

  1. Não é uma crítica; eu gostei do texto. Mas acho que ia ficar melhor se você não deixasse tão na cara a parada de o urubu ser você mesmo… Acho que você já deu a entender de maneira suficientemente clara; agora fica mais legal se deixar ser um personagem independente, mesmo. O mesmo vale pra Marcaurélia.

  2. Nada como um bom esporro… Depois daquela puxada de orelha que dei no Marco Aurélio semana passada ele voltou à produção com carga toda.
    Eu até teria uns conselhos bons para ele conseguir um rabo de saia mas desde quando me chamou de vaca passou a gozar da mais baixa qualificação como ser humano no minha hierarquia de avaliação de seres.
    No entanto é um bom escritor, isto é fato.

  3. Discordo de vc, Walter. O mais interessante é ver o Marco exposto no outro personagem. E é muito legal “ver” essa briga interna…
    Marco, acho que essa não é a hora de largar esse vício maldito.Falo de cadeira, já que fumei durante uns 35 anos(!!!!) Parei umas duas ou três vezes, por motivos diversos. Pelo menos, fuma um daqueles de baixo teor…

  4. Marco, não adianta esperar a tristeza passar, porque ela não passa nunca. Sempre vai ter alguma coisa te preocupando ou te entristecendo. Se não for o amor, vai ser o trabalho, ou a sua família. Vá por mim, pare logo. Você vai ver que é muito mais fácil do que você imagina.
    Um beijo,

  5. Fique sabendo que estar dentro da sala de quimioterapia é bem pior do que ficar na sala de espera. Mesmo que seja no Centro Paulista de Oncologia.
    Da sala de espera vc pode curtir as Ferraris na concessionária do outro lado da rua, tomar um cafezinho e curtir o ar condicionado (a clínica fica na av. Europa).
    Lá dentro da salinha, com a agulha na veia, nem a vista pro jardim alivia. E olha q eu dei sorte de ter quem bancasse essa clínica chique pra mim!

  6. Concordo com a “mãe da Boo”! Não vou cair numa análise litérária dos textos porque, por toltal incompetência minha, provocaria súicídio coletivo dos freqüentadores desse blog.
    Mas posso dizer que os posts (do Urubu e da Corélia) me fizeram parar pra pensar. O urubu principalmente porque ele me provoca um grande desconforto, mas mesmo assim não consigo evitar em pensar se o que ele diz tem fundamento, apesar de tão cruel.
    Aí fico pensando que todos nós temos um “urubu” dentro de nós que fica “voando em círculos” sobre a nossa cabeça principalmente nos momentos de solidão… >

  7. Ponto pra mãe da Boo. E sabe pq o cara sabe tudo da sua vida? Pq vc é ele, ele é você e vcs são eu, que sou vocês, que somos o ESPÍRITO UNIVERSAL. (eu tô lendo Gaarder demais…)

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