O candelabro, o pão sagrado e uma brusca interrupção (Levítico 24)

Antes que alguém estranhe: Sim, esta história tem narrador. Eu me ausento vez em quando, que é para não atrapalhar a fluidez dos diálogos. Mesmo porque fica bem claro quem está falando o quê: O prepotente e arrogante é deus, o folgado é Arão, o gago é Moisés. Mas o negócio é que às vezes eu tenho que interferir, devido a acontecimentos alheios à conversa entre os três. Como agora, por exemplo. Estavam lá os três conversando. Javé, como sempre, cagando suas regras:
— Olha só. Digam ao povo que eles devem trazer o melhor azeite para manter o candelabro aqui do Tabernáculo aceso. Você, Arão, vai acender o candelabro toda tarde, e vai mantê-lo aceso a noite toda.
— Medo do escuro, Javé? A consciência pesa quando chega a noite?
— Calaboca, Arão, que hoje eu não tô com saco pra agüentar impertinência de um velho folgado feito você. Humpf. Deixa ver aqui… Ah, tem os pão também.
— Os p-pães, Ja-Javé.
— Bah, que seje. Então. Os pão. Doze pão…
— PÃES!!!
— Tá, tá! Doze pães, pesando dois quilos cada, feitos da melhor farinha, serão colocados ali na mesa. Todo sábado o sacerdote colocará os pães arrumados em duas pilhas de seis, e queimará incenso sobre eles, que é pra todo mundo saber que os pão são dedicados a mim.
— Porra, Javé! OS PÃES!
— Cáspita, vocês pegam muito no pé com esse… Peraí. Cês tão ouvindo?
— O quê?
— Shhhhhhh… Confusão lá fora. Moisés, vai ver o que tá acontecendo.
Estão vendo? É aqui que eu entro.
Bom, Moisés foi ver o que estava acontecendo. E o lado de fora do Tabernáculo estava uma zona, um monte de gente discutindo. Uns gritos de “Pega!” daqui, “Lincha!” dali, “Capa!” dacolá. Ao verem Moisés se aproximar, no entanto, os ânimos foram se acalmando. Ninguém queria ouvir um sermão dele. Não que fosse especialmente severo: É que o cara levava horas para concluir uma frase.
— Q-que po-porra tá a-acontecendo a-a-a-aaaaa-a…
Aham
— Q-quem é A-Aham?
— Eu tava pigarreando, Seu Moisés.
— A-ah… Co-continue.
— Onde é que eu estava mesmo…?
— No p-pigarro.
— Ah, é. Aham… Seguinte, Seu Moisés: Esse cara aí, o filho da Dona Selomite, andou aprontando. Se meteu numa briga e no meio da refrega resolveu blasfemar contra o nome de deus.
— N-no m-meio d-do q-quê?
— Da refrega. Do arranca-rabo. Do pega-pra-capar. Do…
— T-tá, já e-entendi. M-mas como f-foi i-isso?
— Bom, eles tavam lá brigando. O outro cara falou alguma coisa sobre vir resolver a questão aqui no Tabernáculo, consultar a vontade de deus e tal. Aí ele respondeu um negócio lá…
— O q-quê?
— Ah, Seu Moisés. Não posso falar não.
— Fa-fala, r-rapaz. O q-que f-foi que e-ele d-disse?
— Hum… Ele disse… Er… Ele disse: “Que se foda Javé! Javé lambeu minhas bolas!”
— HAHAHAHAHA… Hum. Q-que b-blasfêmia! Vo-vou c-consultar Ja-Javé a r-repeito. Vi-vigiem o ca-cara aí.
Moisés então voltou para o Tabernáculo e contou a Javé (se esforçando para segurar o riso) o que havia acontecido.
— CUMEQUIÉ??? O CARA FALOU ISSO MESMO???
— F-foi o q-que me di-disseram…
— PUTA QUE PARIU! Que desgraçado! Mas é bom que isso aconteça, que aí a gente já bota as leis em prática. O que vocês acham que esse cara merece?
— …
— Cáspita, cês não prestam atenção mesmo, né? Não lembram que minha lei é na base do olho por olho, dente por dente? Então quem matar o animal de alguém, dará outro animal de mesmo valor. Se alguém ferir outra pessoa, será ferido exatamente da mesma maneira. Quem matar será morto. Entenderam agora?
— Hum… Então qual vai ser o castigo pra esse cara? Você vai lá falar “O filho da Selomite lambeu minhas bolas”?
— Claro que não, oras. Ele blasfemou. Vai morrer na base da pedrada.
— Mo-morrer??? M-mas e-ele n-não m-matou ni-ninguém!
— Não matou, Moisés, é verdade. Mas falou merda a meu respeito. E cê não tem idéia do quanto isso me deixa puto. Então cês vão fazer assim: Vão levar o cara pra fora do acampamento e apedrejá-lo.
— Porra, Javé, não foi você quem ficou puto? Então por que não vai você mesmo matar o cara?
— Eu, hein! E sujar minhas mãos com pouca merda? Na-na-ni-na-não: Vocês vão. E logo, que eu tô mandando.
Moisés e Arão ainda relutaram um pouco. Mas além de deus, a multidão enlouquecida também queria sangue. Quando os dois líderes anunciaram o apedrejamento, foi uma ovação geral. Levaram o cara pra fora do acampamento e o mataram bem morto.
Até onde eu me lembro, essa é a primeira execução (no sentido de castigo por alguma falta) perpetrada por seres humanos na Bíblia. Por outro lado, já perdi a conta do número de execuções levadas a cabo por deus…

22 comments

  1. Marcurélio,
    Seria uma sugestao infeliz dizer prá vc tentar publicar a nova versão neo-realista da Sagrada Escritura? I mean: escrevinhar um livro de verdade.
    Óbvio que seria uma sugestão infeliz. Nem as igrejas, nem o sistema, nem os cérebros lavados com shampoo de bosta pseudo-etico-religiosa te deixariam sair vivo disso.
    De qq forma, eu acho que voce deveria escrever um livro e ultrapassar um pouco a esfera virtual.
    Deixe publicado o dia do lançamento e eu irei a Sampa.
    (to falando serio, pourra)

  2. O que as Organizações JMC está programando pro nosso dia amanhã????
    08 de Março – Dia internacional da Mulher…Vê se não esquece!

  3. Eu só li a parte do gênesis e dilúvio na Bíblia, o resto achei muito chato. Mas a sua Bílbia tá ficando ótima e acho que assim vou ler melhor todas as histórias que aqueles professores de religião vomitavam na minha cabeça e de uma forma mais crítica.

  4. Bicho!! Você me surpreendeu! Teve um dia que eu acessei seu blog e ele tava fora do ar. Levei o maior susto!!! Ainda bem que tá de volta! Não some, cara! Seu blog é demais, com mensagens que são uma porrada na cara dos medíocres de plantão. Valeu demais, brou!

  5. Tá explicado porque tanta gente vem falar merda aqui. Deus mandou. Mas porque ele mesmo não faz o trabalho? Esse papo de sujar as mãos com pouca merda não colou muito, não…

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