A história do pão molhado

Num dia qualquer da semana passada, cheguei em casa e não tinha nada para comer. Então fui até a padaria comprar uns pães (OH!). Quando estava voltando, começou a chover e tive um ataque de riso, porque me lembrei na hora da história do pão molhado. Comentei a respeito com a Andreza. Só que eu jamais poderia saber que ela conhecia um certo bloguista famoso, que veio aqui fazer comentários maldosos sobre o assunto. Então resolvi eu mesmo contar a história, antes que surjam versões distorcidas por aí.
Foi há mais de seis anos. Abril de 1996, para ser exato. Estava começando a faculdade de jornalismo, acreditando que concluiria o curso e viria a trabalhar como jornalista um dia. Pobre rapaz iludido. Bom, mas eu dizia que era abril de 1996. A faculdade promoveu uma viagem para o Pontal do Paranapanema, para que conhecêssemos acampamentos e assentamentos do MST. Muito legal a bagaça, a viagem em si merece um post depois. Mas estamos aqui para falar do pão molhado.
Pois muito bem, daqui até o Pontal são nove horas de ônibus. Na ida tudo é festa, tudo é novidade. Mas na volta, depois de uma noite mal dormida, o negócio fica bem chato. Puta ônibus desconfortável… Então entrei no ônibus para voltar, já me preparando para nove horas de sono. E ao meu lado sentou-se uma garota da minha sala com quem eu mal falava. Vamos chamá-la de… Hum, vejamos… Vamos chamá-la de Mirella, para proteger sua real identidade. Mirella disse que estava com sono também, então eu ofereci meu ombro. Então ela ficou lá, deitada no meu ombro. Aquela paisagem monótona passando pela janela, eu não estava fazendo nada, ela também não, então beijei a menina. E não sabia em que encrenca estava me metendo.
No dia seguinte, na faculdade, ela queria andar de mãos dadas comigo. Achava que estávamos namorando, sei lá. Sei que continuava não fazendo nada, então fiquei com ela de novo. Vejam como eu era inocente na flor dos meus 21 anos.
Se eu for contar a história toda, isso aqui vai ficar grande demais. Basta dizer que a menina começou a me seguir. Depois de umas ligações, e aproveitando o fato de minha mãe ser florista, descobriu onde eu morava. Então apareceu de surpresa em casa umas vezes. Nunca a convidei para entrar, claro. Mas ficava no portão conversando com ela, perguntando se ela era louca, essas coisas. Uma vez, chegando cansado em casa, já passava da meia-noite, ela freou o carro do meu lado, quase me matando de susto. Noutra ocasião, passou uma tarde sentada na calçada em frente só para “conhecer” minha família, já que eu estava trabalhando. E uma semana depois foi até onde eu trabalhava pra ficar me observando sem que eu soubesse.
E foi piorando. Um dia o Risadinha passou em casa e fomos até o Tatuapé encontrar os outros vagabundos para enchermos a cara. Na segunda-feira seguinte, na faculdade, a Mirella (como é difícil escrever com nomes falsos, quase solto o nome da menina agora) veio toda sorridente me dizer que tinha seguido o carro do Risadinha da minha casa até o Tatuapé. E pior: Talvez movida pela emoção, ela conseguiu confundir os carros e acabou seguindo um carro igual o do Riso. No primeiro farol, o motorista se inclinou e beijou o passageiro. Minha fama de viado estaria consolidada na faculdade, não tivesse ela reparado na placa do carro e percebido a confusão. Sei que foi a gota d’água. Briguei com ela. Perguntei se ela era louca. Se achava que eu ia MESMO ficar com ela se ela continuasse com essas maluquices. O que ela achava que estava fazendo? O que pretendia com aquilo? A resposta foi uma das grandes pérolas da literatura:
— Sou louca sim. Por você! — olhar doce — Fico imaginando… Ai, como sou tonta. Fico imaginando que um dia vou passar de carro na sua rua, debaixo de chuva. E vou ver você voltando da padaria, guarda-chuva numa das mãos, saquinho de pão na outra… Aí vou parar o carro, “Quer uma carona?”, e você vai sorrir e aceitar. E vai ser tão lindo. Ai, como eu sou tonta!
— É mesmo. Não faça mais isso, ok?
— Pode deixar. Não vou fazer mais.
Promessa que não foi cumprida. Uma vez ela deixou um poema muito meia-boca na minha caixa de correio, dizendo que era do Drummond, pobre Drummond. Outra vez deixou um pirulito. Minha vida era um inferno.
Quando comecei a meio que namorar a Andreza, no final daquele ano, pensei que a Mirella fosse enlouquecer. Fuzilava-nos com os olhos. Dava medo. Ainda mais porque um mês antes, confesso, eu tinha ficado com a Mirella mais uma vez. Cês sabem como são essas coisas. E um dia, sem que nada de especial tivesse acontecido, ela me viu com a Andreza no corredor, veio, nos abraçou, disse que queria muito que fôssemos felizes, que gostava muito da gente. Louca.
E claro que não adiantou nada. Depois que a Andreza me chutou (rá!), ela voltou à carga. No final de abril de 97, no aniversário da Mirella, fiquei com ela novamente. Eu não aprendo. E duas semanas depois, estava com a Bárbara, com quem acabaria ficando por mais de três anos, tempo suficiente para a Mirella sumir da minha vida para sempre.
Só mais uma cena para fechar essa maluquice. Numa aula vaga, estávamos eu e a Bárbara na sala de aula vazia, quando chegou a Mirella, que não sabia ainda que estávamos juntos. Ficou na porta, olhando com ódio para nós dois. A Bárbara viu primeiro
— A Mirella tá ali na porta, olhando pra gente. O que eu faço?
— Ai caralho… Bom, vou ter que conversar com ela. Vai dar uma volta.
Por um momento, achei que fosse sair briga de mulher. A Mirella não deixava a Bárbara passar. Mas, para minha infelicidade, ela é muito educada, e pediu licença várias vezes até que a maluca cedesse. Com a Bárbara fora de perigo, era minha vez de entrar em cena.
— Que foi, Mirella? Que que tá pegando?
— VOCÊ ESTÁ CAVANDO SUA COVA!
— Hã…?
— VOCÊ É CRUEL! VOCÊ NÃO TEM ALMA!
— Eita porra (só pensei).
— Da outra vez foi um mês. Agora cê tá ficando mais rápido, né? Duas semanas depois de ficar comigo, já está com outra.
— Mirella (quase que eu escrevo o nome dela agora, puta merda), eu não sou seu namorado, não te devo satisfações.
— Escuta aqui! Se você fizer essa menina sofrer, vai se ver comigo! Tá entendendo?
— Bah!
— Hum. Te falei que troquei de carro?
— Hein?
— É. Meu pai me deu um Palio. Novinho! Lindo!
— Como?
— Ai, estou tão feliz. Blablablablablablablablablabla…
E ficou um tempão falando. Mas valeu a pena, porque a partir de então fiquei livre dela. O único problema foi a historinha do pão molhado, que a Janaína, a Andreza, a Bárbara, o André (André Barrocal, o cara mais sangue bom que já pisou nesse mundo), e mais outras pessoas não vão esquecer nunca. Mas eu mereço.

27 comments

  1. Hahahahahahahahahaah!
    Muito bom, MESMO! Agora, só quero ver vc publicar o documento que está em minhas mãos sobre o assunto, guardadinho em um envelope com selo de “CONFIDENTIAL…”
    Beijos

  2. Sorry, Xavier, mas sou obrigada a sair em defesa do Gil. Especialmente depois dessa história de “diferença presente/ em todos os homens/nos faz homens”.
    As mocinhas do Xanadu devem ter ficado com lágrimas nos olhos…

  3. ô amigo, sinto muito em informar mas, além dos honoráveis Jana, Bárbara, Drê e Barrocal, eu tb era uma das integrantes da confraria que sabia (em detalhes) desse seu podre fenomenal ahahaha… putz, me lembro que na época eu andava muito com a Bá e que ela tinha me contato a cena surrealista da encarada na porta da sala de aula… que micão… aaahahahaha… agora o melhor foi o pseudônimo que vc criou para a “fofa”… bjs!

  4. Xi, minino… aproveitando o “ensejo do pão molhado”, na semana passada lembrei muuuito de vc e quase surtei de tanto rir ao ouvir uma música que, ao que me lembro, vc A-MA-VA! Vamos lá: “Naaaani, quantas vezes Naaaaani, eu te desenheeei num papel de pããão” 🙂 será que era por isso que cê gostava da música e eu é que não sabia?!?

  5. Ê Gil… que a “fofa” não veja a história de amor da vida dela exposta para um milhão de fariseus! hauahau
    Mas,a propósito… onde eu estava mesmo que não sabia de todos esses detalhes??
    Beijos com saudades!

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