Saramago visita o Jesus, me chicoteia!

Já ficou dito que as obras do Tabernáculo foram iniciadas, ocioso seria descrever pormenores da construção, cansados estamos de saber as formas, as medidas e os materiais especificados por Javé, e triste figura faria o narrador repetindo toda aquela cantilena de côvados e siclos. Note-se, porém, que Moisés e Javé ainda conversam entre si, talvez até mais acaloradamente, porém sobre assuntos corriqueiros, velhos amigos que são. Acontece mesmo de vez por outra entregarem-se àquele silêncio agradável de quem sabe que tudo já foi dito, e o que ainda não o foi pode esperar, e é assim que os encontramos no Monte Sinai, ambos contemplando a paisagem, Moisés pensando na distância que ainda separa a si e seu povo da Terra Prometida, Deus pensando que talvez a criação dos desertos tenha sido um erro, estejam eles assim, esparramados em infindas superfícies, ou encerrados nos pobres corações humanos. Levando tal sorte de pensamentos adiante, talvez fosse Deus tentado, pois da tentação nem mesmo ele está livre, que o diga seu filho, ele também Deus, tentado no deserto, cá estamos a falar em deserto novamente e não concluímos a frase anterior, o que dizíamos é que se Deus levasse adiante suas reflexões sobre os tipos de deserto, talvez chegasse à conclusão de que erro mesmo foi criar o homem, o resto se ajeita. Felizmente para nós, Moisés interrompe a cadeia de pensamentos divinos, Que faremos quando estiver concluída a obra, Ora, Moisés, isso muito me espanta, Minha ignorância sobre o que fazer, Não, a ausência de sua gagueira, É verdade, não gaguejo, e não teria percebido não fosse você chamar-me atenção para o fato, Que aconteceu, Ora, que sei eu, se calhar foi um milagre, Impossível, Não crê nos milagres, Creio, Então por que diz ser impossível que o gago volte a falar direito, Não reside aí a impossibilidade, Então em quê, Se fosse um milagre eu saberia, Sabe de todos os milagres, Sei de todas as coisas, Então deves saber o que houve com minha gagueira, Não o sei, Como é possível, São os mistérios insondáveis de Deus, Isso serve de escusa para tudo, Alguma vantagem eu teria de obter do fato de ser Deus.

7 comments

  1. O Marco Aure´lio e´ Preˆmio Nobel?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!

    PARABe´NS!!!!!!!!!!!!!!!

    (mas preˆmio Nobel em queˆ? Economia? – Literatura e´ que na˜o e´….)

Deixe uma resposta para Locksley Cancelar resposta